Pré-candidatos a prefeito em Fortaleza abusam dos memes, apostam na geração Z e travam “disputa” nas rede sociais

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André Fernandes (PL) se diverte em seu perfil no Instagram. Foto: Reprodução

Com a fase pré-eleitoral chegando ao fim, podemos observar que a maioria dos pré-candidatos em Fortaleza optou pelo mesmo caminho direto: não há atalhos nem artifícios, apenas a estratégia do humor, do meme e do entretenimento.

O Ceará, berço de talentos como Chico Anysio, Tom Cavalcante e Renato Aragão, carrega em sua essência o dom da comédia, seja lidando com o clima quente, com os buracos nas ruas ou com as enchentes na Heráclito Graça, e agora, surpreendentemente, também com a política. A diferença é que, dessa vez, os políticos se adiantaram na comédia, antes mesmo do público. 

Não apenas para atrair aqueles que têm um senso de humor apurado, mas também os jovens, que dispõem de tempo e energia para navegar na internet ao longo do dia.

Este eleitor recém-adulto, buscando seu primeiro prefeito em Fortaleza, traz consigo uma curiosidade e otimismo que os mais velhos talvez não compartilhem, o que justifica a proliferação constante e às vezes exaustiva de piadas nos perfis dos pré-candidatos.

Mesmo os mais sérios, como Evandro Leitão (PT), que não adotaram uma postura totalmente humorística, permitem uma abordagem mais dinâmica, incluindo a participação de adolescentes, especialmente da periferia, em seus vídeos, tornando tudo mais acessível e menos formal.

O movimento é benéfico?

Para a professora de Marketing da Universidade Federal do Ceará, Cláudia Buhamra, historicamente, “o humor surte muito efeito na propaganda”. “Entretanto, atualmente tudo está muito ‘chato’, muito politicamente correto, nada pode ser dito de forma espontânea, engraçada. E isso cansa… o brasileiro está emocionalmente cansado de tanta polaridade”, disparou.

“Some-se a isso o excesso de informação, com excesso de fontes, algumas críveis, outras nem tanto. Aí, tem-se a receita perfeita para o acesso do humor à mente e ao coração dos brasileiros. Nesse caso, os memes são perfeitos para essa missão”, justificou a educadora.

“Adicionando o espírito ‘gaiato’ do cearense (prova disso é a quantidade de humoristas originados daqui), a linguagem do humor tende a comunicar com muito mais efetividade e leveza, atingindo o público tanto no nível afetivo (da emoção) como cognitivo (da razão)”, complementou.

Pré-candidato Capitão Wagner (UB). Foto: Reprodução

Capitão Wagner (UB)

A rede social do pré-candidato do União Brasil, Capitão Wagner, pode servir de exemplo. Conhecido por sua ligação com a segurança pública, o cearense agora compartilha momentos da rotina em uma abordagem mais simples, inclusive com brincadeiras, como fez durante as férias do seu concorrente, o prefeito Sarto (PDT).

Na ocasião, CW dedicou toda a semana para criar piadas com o pedetista. Segundo o pré-candidato, os fortalezenses, ao lidarem com “buracos nas ruas, acúmulo de lixo, precariedade na saúde e aumento da violência”, devem ter em mente que o prefeito estava distante da cidade. Essa foi sua primeira crítica.

Posteriormente, gravou um vídeo em que batia à porta do gabinete do gestor. Ao adentrar a sala, deparou-se com um aviso no monitor do prefeito: “Precisa de ajuda? Volte em uma semana. Sei que é urgente, mas estou de FÉRIAS”.

Ainda insatisfeito, publicou manchetes de jornais da capital destacando três problemas: “Série de assaltos assusta moradores do Jangurussu; criança agredida com coronhadas em posto de saúde”, era o teor da primeira.

“A quantidade de buracos nas ruas está a causar transtornos no trânsito e a ausência de reparações limita o acesso à cidade”, assinalou a segunda. “Os elevadores de acesso à passarela da Estação Fátima encontram-se quebrados”, completou a terceira. Após essas publicações, Capitão Wagner provocou: “O Sarto está viajando… para onde?”.

Finalmente, assumidamente no tom mais humorístico, o pré-candidato sugeriu alguns países para o gestor visitar, na verdade, nomes de ruas da cidade. “Fortaleza enfrenta inúmeros problemas e o Sarto foi viajar de férias. Mandem sugestões de lugares para ele visitar: Itália, França, Alemanha, Luxemburgo, Inglaterra, Suécia, Disneyland, ou melhor… Parquelândia”, anunciou, exibindo placas das ruas da capital.

E não foi só isso: em um dos últimos posts, por exemplo, Capitão Wagner aparece com roupas leves, usando gírias e conversando enquanto corre pelo bairro João XXIII. Além de, obviamente, criticar Sarto com menos dureza em seus ataques e mais emoção em suas promessas, Capitão Wagner pede que os usuários o convidem para correr em seus bairros, estabelecendo uma comunicação mais íntima com o eleitor. Atualmente, Wagner possui 367 mil seguidores em seu perfil no Instagram.

Pré-candidato André Fernandes (PL). Foto: Reprodução

André Fernandes (PL)

André Fernandes (PL) foi além. Apesar de suas análises críticas em relação ao trabalho pedetista na prefeitura e petista no governo do Estado, o pré-candidato bolsonarista se permite ser irreverente, como visto na entrevista onde, em uma troca de palavras, mencionou “raspadinha” várias vezes, clara referência a uma brincadeira que fez quase dez anos atrás, antes de se envolver com política.

Consciente de que seus opositores utilizam o termo para atacá-lo, André não resistiu e entrou na gozação, evitando que a expressão fosse usada como arma contra sua campanha, já que ele próprio o havia mencionado. Aliás, ao popularizar a gag, a piada de mau gosto também populariza o próprio André. E ele está ciente disso. André Fernandes conta com 1,7 milhão de seguidores.

“Até entendo alguns (pré-candidatos). Percebo esse processo de humanização, como a mudança de título do Capitão Wagner, que tem feito de tudo para tirar o Capitão e ser só Wagner, assim como André Fernandes que, recentemente, publicou uma vídeo de entrevista com Mateus Cidrão, humorista local”, explicou o professor da Universidade de Fortaleza, Carlos Bittencourt.

“André tem aquele vídeo que não é interessante para ele, onde ensina uma depilação anal. Agora, ele está tentando tirar um pouco o peso do que isso representa. Compreensível. Ele tentou se consolidar como uma pessoa mais séria até que, enfim, se permitiu a aceitar a piada”, continuou.

“Isso mostra de uma forma bem óbvia que eles estão abrindo mão de uma abordagem tecnicamente mais responsável para brincar nesse perspectiva do meme. Não sei até onde isso vai chegar, mas esse é o processo eleitoral do momento”, apontou o professor.

“Capitão Wagner a gente sabe que não vai abrir mão dessa pauta de segurança pública, mas, como podemos observar, ele está humanizando. É uma nova tentativa e faceta. Ele brinca, fala de outra forma, mas sempre com a mesma análise”, detalhou.

Confira o vídeo de André:

 

O limite do humor

Aproveitando o gancho, a professora Cláudia destacou alguns aspectos: “Apesar da “brincadeira”, o “produto”, no caso, o político, tem que ser bom e apresentar conteúdo, caso contrário, pode cair em descrença”, disse.

“Excesso de humor pode gerar ruído de comunicação fazendo com que o público-alvo lembre da piada mas não do seu autor, ou seja, o efeito esperado, que é o voto no candidato, corre o risco de não ser alcançado. Em resumo, como diz o ditado popular ‘a diferença entre remédio e veneno é a dose'”, enfatizou em sua finalização.

Ex-governador do Ceará, Camilo Santana, e pré-candidato Evandro Leitão, ambos do PT. Foto: Divulgação

Evandro Leitão (PT)

Evandro Leitão (PT), antes com presença online bem pontual, concentra energia em se apresentar frequentemente aos eleitores. Em um dos vídeos recentes, por exemplo, o petista responde indagações e explica a história de sua vida. No mesmo material, Evandro apresenta sua família, fala de experiências na Assembleia Legislativa do Ceará e suas expectativas para a cidade.

Apesar de usar frequentemente a cor vermelha característica do partido, Evandro adota uma arte mais dinâmica e menos convencional, explorando também em plataformas como Kwai e TikTok, populares entre a geração Z.

Curiosamente, ele consegue transmitir informações relevantes para o PT através de uma comunicação mais informal, como evidenciado em um post dedicado a Camilo Santana, ex-governador do Ceará e ministro da Educação, onde o tratou como o “cara que trouxe o ITA para Fortaleza”. É outra linguagem, mas o recado continua dado.

Por conseguinte, sem realizar ataques diretos ao prefeito Sarto, Evandro continua focado em sua auto promoção, utilizando música de forró como fundo para vídeos animados, embora mantenha um tom sério ao destacar suas realizações e promessas para Fortaleza. Evandro conta atualmente com 53,3 mil seguidores no Instagram.

“Já Evandro precisa construir, correr um pouco mais. Ele esta notando o movimento, dá para perceber. Não sei até onde ele aguenta essa nova experiência, mas o processo eleitoral, de uma forma geral, é pouco politico e mais um fenômeno comunicacional”, destacou Carlos Bittencourt.

José Sarto (PDT)

Em seguida, o prefeito Sarto (PDT) tem deixado o perfil na sua rede social cada vez menos tradicional. Nos vídeos, a comunicação é jovem e a edição é agitada.

Confira um exemplo:

O prefeito aparece de óculos escuros e usando gírias, como “é sal” e “rocheda”, totalmente desconstruído do perfil anterior, que era bem similar com qualquer outra liderança do PDT, como Roberto Cláudio e Ciro Gomes.

Insatisfeito, tem adotado uma nova persona, um visual mais dançante, mais jovial e com participações em podcasts. Surge comendo pratos regionais, recria momentos importantes da cultura pop, como a subida da escadaria de Rocky Balboa e brinca com os eleitores. No momento, ele conta com 165 mil seguidores.

“Teve um crescimento do IBGE que mostra que 15% dos eleitores jovens estão preocupados em se divertir na linguagem rápida do Titktok. Do ponto de vista acadêmico, não é surpresa, mas da política, sim. E os candidatos sabem disso. Ou seja, entenderemos se funciona e o seu impacto, seja ele positivo ou negativo, só depois”, enfatizou o professor da Unifor.

Prefeito Sarto (PDT). Foto: Reprodução

Para Chico Neto, professor de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Ceará, é notável que vários candidatos têm optado pelo uso de táticas de comunicação que se assemelham às práticas de creators e influenciadores digitais.

“Ou seja, além dos memes e trends que se espalham rapidamente nas plataformas de redes sociais digitais, também está na imitação de personagens de sucesso na internet”, explicou o especialista em Marketing e Economia Criativa.

“Sem dúvida, o sucesso do candidato Guilherme Boulos, quatro anos atrás, durante a disputa pela prefeitura de São Paulo, e das práticas do prefeito João Henrique Campos durante o último quadriênio, na cidade de Recife, estão entre as referências mais imitadas”, destacou o cearense, justamente ao exemplificar essa aproximação com o público mais jovem.

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