
Ninguém captou melhor a alma contraditória do brasileiro do que Walt Disney ao criar o Zé Carioca. O simpático papagaio, nascido em 1942 durante a chamada Política da Boa Vizinhança, surgiu como embaixador verde e amarelo num tempo em que os Estados Unidos buscavam aproximação com a América Latina. Mas, para além da diplomacia, o personagem trouxe consigo uma síntese perturbadoramente fiel de certos traços da nossa identidade.
Zé Carioca não era herói clássico, tampouco vilão. Era malandro e cordial, astuto e preguiçoso, pobre, mas sempre com uma boa conversa que lhe abria portas. Com um sorriso no rosto e um jeitinho improvisado, conseguia o que queria sem esforço aparente. Para uns, caricatura ofensiva que reforçava estereótipos. Para outros, um retrato desconfortavelmente verdadeiro da forma como o brasileiro aprendeu a sobreviver em meio à carência e à desigualdade.
O que Disney intuiu é que o Brasil se revela tanto pela simpatia quanto pela ausência de estrutura. O papagaio, ave que repete o que ouve, foi metáfora perfeita para um povo que muitas vezes imita, adapta e improvisa diante da falta de condições. O gingado que encanta também denuncia a precariedade que exige soluções criativas. O bom humor que diverte é, ao mesmo tempo, máscara que encobre dificuldades reais.
Zé Carioca tornou-se símbolo de um país que ri para não chorar, que sempre encontra um atalho, que confunde esperteza com inteligência. Um país onde a cordialidade pode abrir portas, mas também encobrir atrasos. Há nele um encanto inegável, mas também um alerta: até que ponto a malandragem simpática não se transforma em acomodação?
O papagaio de terno branco e guarda-chuva colorido continua a nos olhar como quem revela um segredo. Talvez, ao rir do personagem, rimos de nós mesmos. Talvez Walt Disney, sem pretender, tenha capturado uma essência que o Brasil insiste em negar, mas que permanece viva em nossas esquinas, em nossas conversas e até em nossos sonhos.
Gera Teixeira é empresário ítalo-brasileiro com atuação nos setores de construção civil e engenharia de telecomunicações. Graduado em Marketing, com formação executiva pela Fundação Dom Cabral e curso em Inovação pela Wharton School (EUA). Atualmente cursa Pós-graduação em Psicanálise e Contemporaneidade pela PUC. Atuou como jornalista colaborador em veículos de grande circulação no Ceará. Integrou o Comites Italiano Nordeste, órgão representativo vinculado ao Ministério das Relações Exteriores da Itália. Tem participação ativa no associativismo empresarial e sindical.







