Na gestão das finanças públicas, o orçamento é peça fundamental. No Brasil, porém, essa obviedade raramente é levada a sério. Com frequência, afirma-se que a peça anual é uma ficção, tamanha a distância que mantém da realidade.
Além dessa fantasia recorrente, há ainda a excessiva vinculação da receita, que obriga vultosos repasses do orçamento federal a estados e municípios e impõe gastos mínimos com educação, saúde, funcionalismo, previdência e outras áreas que, juntas, consomem cerca de 90% de todo o orçamento. O resultado é que o Executivo, na figura do Presidente da República, tem as mãos atadas para realizar despesas discricionárias previstas em seu plano de governo ou atender a urgências impostas por calamidades.
Como a despesa não cabe na receita e é preciso aparentar equilíbrio fiscal, recorre-se a maquiagens contábeis que ocultam a realidade trágica das contas públicas. Artifícios contábeis excluem do cálculo de gastos determinadas rubricas, de modo a simular um equilíbrio inexistente. É assim que se produz um resultado primário irreal, que mascara o quanto andam mal as finanças nacionais.
Condição tão importante para a vida de um país que Álvaro Cunhal, líder do Partido Comunista Português, recomendou em um pequeno livro que adquiri em Lisboa, entre outras medidas urgentes, a recuperação econômica. No VII Congresso Extraordinário do PCP, em abril de 1974, ele alertava que, com a economia estagnada, a ausência de investimentos, a súbita redução das remessas dos emigrantes, o recuo do turismo e o esgotamento iminente das reservas deixadas pela ditadura, os déficits no orçamento, na balança comercial e na balança de pagamentos punham em risco a estabilidade econômica do país. Por óbvio, tal fragilidade comprometia a sustentabilidade do novo regime político em fase de implantação.
Fica claro, portanto, que os pilares da macroeconomia não distinguem ideologia. Governos de qualquer orientação dependem de contas públicas sólidas para manter estabilidade e credibilidade.
Por fim, e para reafirmar a importância do orçamento como instrumento de gestão, vale lembrar que, em sistemas parlamentaristas, a rejeição do orçamento pelo parlamento implica na destituição do governo e na convocação de novas eleições — sinal inequívoco de que o orçamento é, antes de tudo, um instrumento central de governabilidade.
