Qual teria sido a razão de terem trocado a denominação de Constantinopla para Istambul, um nome exótico, pontudo como o perfil dos minaretes e mesquitas locais, porém desprovido do peso inegável da História. Talvez as mesmas razões geopolíticas para a mudança de denominação de outros lugares que, por mais que mudem, findam repetindo o passado. Cada mudança de nome, a esperança de uma mudança real.
Veja-se Ceilão: com sua sonoridade que remete a frutos redondos escondidos na escuridão da mata, trocado para Sri Lanka, duas palavras mais capazes de lembrar um suspiro sibilante de serpente.
O caso de Bombaim, com sua ressonância de colônia britânica, abrindo espaço para Mumbai, honrosa reverência à deusa Mumba, uma das tantas deusas indianas das grandes e pequenas coisas. Assim como saem Petrogrado, depois Leningrado, nas estepes da Rússia, para reentrar em cena São Petersburgo, como no começo de sua fundação.
Aproveito para ver o movimento do mundo em Istambul, exibido no painel eletrônico virtual dos voos. Os aviões que chegam, os que saem. Não tenho viagem agendada para lá, nem para lugar nenhum tão extraordinário. Pode ser que, por conta disso, tenha cedido à curiosidade gratuita de saber a quantas andam as visitas e as despedidas da antiga cidade de Constantino I.
Estou certa que as famílias, os amigos, os profissionais de empresas de turismo, acenam para quem chega no desembarque procedente de Basra, também conhecida como Bassora ou Baçorá, cidade no Iraque (que, por sua vez, já se chamou Mesopotâmia).
Ou de Naipidau, vindo da Birmânia, antigamente Mianmar (trocar o som de amor e de mar!). Ou ainda de Kinshasa, Capital do Zaire, que virou República Democrática do Congo (um desses usos contrastantes da palavra democracia.)
Recebem no aeroporto os que desembarcam de Muscat, também chamado Mascate, Capital do sultanato de Omã, entre as montanhas e o deserto. Os que vêm de Tblissi, palavra de sílabas apertadas, conhecida também como Tífles: a maior cidade da Geórgia.
Os que pisam em terra, depois de cruzar, feito anjos, as nuvens do céu, procedentes de Tashkent (ou Toshkent, ou ainda Tasquent), centro importante no Uzbequistão, ponto de parada da antiga Rota da Seda, para receber o abraço de quem espera.
E os voos dos que partem de Istambul, erguendo-se ao espaço acima da Turquia: as despedidas de quem viaja para Ulan Bator, a mesma Ulaanbaatar, de vogais repetidas, conhecida em sua origem como Urga, capital da Mongólia.
Para Zanzibar, a ilha no Oceano Índico que esconde o nome de Unguja, no meio de uma constelação de ilhotas. Para Cluj, que há meio século foi hifenada para Cluj-Napoka, capital não oficial da vampiresca província da Transilvânia, na Romênia. Os que partem para Chisinau (ou Quixinau, ou Quixineve), no coração da Moldávia.
No painel virtual de voo que de casa consulto, tão despretensiosamente, desponta um nome capaz de soar, para eles, tão estranho quanto os deles soam para nós: São Paulo, nome duplo, enfeitado no topo por um adereço curvilíneo, cidade um dia batizada como Vila de São Paulo de Piratininga –, que já foi Ilha de Santa Cruz, depois Terra de Santa Cruz, e por fim Brasil.
São pedaços desse “mundo, mundo, vasto mundo”, ausentes no “Poema de Sete Faces”, assinado por Drummond (que se chamava Carlos, e não Raimundo): como em todas as mudanças mencionadas acima, sabia ele, em seu poético coração, que quanto mais as coisas mudam pode-se alcançar uma rima. Dificilmente uma solução.