
O Brasil não é um país sério. A frase, dita há muitas décadas, pouco importa por quem, permanece desconfortavelmente atual. Ela resiste ao tempo porque revela algo que atravessa nossa história como cicatriz aberta. Roberto Campos, mente brilhante e irrequieta, dizia que nossa tragédia repousa na herança ibérica, esse modelo de poder que confundiu durante séculos o público com o privado e transformou o Estado em extensão da casa dos poderosos. A estrutura permaneceu, ainda que a paisagem mudasse.
Há quem afirme que o Brasil continua sob a égide de um Portugal medieval, preso ao imaginário do século XIII, quando o sistema feudal consolidava privilégio, benesse e dependência. E é nesse ponto que surge a metáfora perfeita: Pasárgada. Manuel Bandeira inventou esse lugar como território idealizado, uma pátria de delícias onde tudo é possível para quem é amigo do Rei. Um país onde o mérito pouco importa porque a proximidade com o trono resolve o que a competência não alcança.
O problema é que Pasárgada, no poema, é ficção. Já no Brasil, tornou-se método. Aqui, não basta ser capaz; é preciso ter padrinhos. Não basta trabalhar; é necessário pertencer. A lógica do favor atravessa séculos, supera governos e atravessa regimes. É uma engrenagem silenciosa que garante riqueza a quem cultiva relações certas e fecha caminhos para quem ousa depender apenas de si. A meritocracia, tão celebrada no discurso, quase nunca se materializa na prática.
Essa cultura produz um país onde privilégios se perpetuam, onde a lei é elástica para poucos e inflexível para muitos, onde o Estado serve mais para proteger interesses privados do que para construir um futuro comum. É um Brasil que simula modernidade, mas ainda opera com a alma feudal de Pasárgada, onde a ascensão social não se dá pela virtude do trabalho, mas pela geografia do poder.
No entanto, reconhecer esse traço não é desistir do país. É nomear a doença para iniciar a cura. Enquanto insistirmos no modelo que premia proximidades e pune competência, continuaremos presos ao poema de Bandeira, vivendo num lugar inventado, esperando por um Rei que nunca chega. O Brasil precisa encontrar sua própria saída da fantasia. E isso começa quando afirmamos, sem medo, que Pasárgada não pode ser o nosso destino.

								





