
O governo do Ceará voltou a celebrar, esbanjando entusiasmo publicitário, a atração de gigantes tecnológicos interessados em instalar data centers no Estado. A narrativa é sedutora: modernidade, inovação, empregos qualificados e a promessa de um Ceará digital. Mas, como sempre, o diabo mora nos detalhes. E, nesse caso, nos detalhes ambientais, energéticos e sociais que o discurso oficial insiste em ignorar.
É verdade que a matriz eólica do Ceará oferece vantagem comparativa e reduz a dependência de combustíveis fósseis. Mas não podemos cair na armadilha da meia verdade. Um único data center de grande porte pode consumir energia equivalente à de uma cidade média. Quando uma corporação reserva para si uma fatia significativa da geração renovável disponível, o que se vende como avanço pode, na prática, gerar competição direta com a população e com setores produtivos locais.
A questão da água é ainda mais crítica. Data centers utilizam sistemas de resfriamento que podem demandar milhões de litros por dia, dependendo da tecnologia adotada. Países desenvolvidos já enfrentam tensão entre comunidades e empresas de tecnologia: Holanda, Irlanda, Dinamarca e estados americanos registram protestos de moradores temerosos pela pressão hídrica, pelo calor residual e pela alteração de microclimas ao redor dessas instalações. Quando o primeiro mundo teme, é imprudente que nós façamos festa.
Há também o impacto silencioso do lixo eletrônico. A cada ciclo de atualização, milhares de servidores, baterias e componentes são substituídos. O discurso de “indústria limpa” não resiste a uma análise minimamente séria.
E há a IA. Cada salto tecnológico exige mais energia, mais máquinas, mais centros de dados. É um setor de expansão contínua e voraz. O governo do Ceará precisa entender que, ao apostar nesse modelo, assume também o compromisso de sustentar sua fome energética ao longo das próximas décadas.
Não se trata de rejeitar a tecnologia. Trata-se de governança. De exigir contrapartidas reais. De planejar impacto ambiental. De garantir transparência nos contratos. De fazer política pública responsável em vez de propaganda.
O Ceará não pode transformar energia limpa em privilégio corporativo. Nem pode confundir inovação com submissão tecnológica. É hora de perguntar, sem rodeios: quem ganha, quem perde e quem paga essa conta?
Se o governo não responder, o tempo responderá por ele. E, como sempre, a fatura cairá no colo do povo.







