Diploma no porta-luvas: por que profissionais qualificados recorrem ao trabalho por aplicativos no Brasil

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Foto: Freepik

Apesar da formação superior e do emprego formal, um número crescente de profissionais brasileiros têm recorrido ao trabalho por aplicativos para complementar a renda. De acordo com uma pesquisa da Uber via Datafolha, 46% dos motoristas declararam ter ensino superior, o que reforça que muitos profissionais qualificados estão na estrada. A combinação de salários defasados, aumento do custo de vida e instabilidade econômica, muitos profissionais, mesmo ainda atuando em sua área de formação, precisam recorrer a uma segunda fonte de renda, em busca de equilíbrio financeiro. É o caso de contadores, engenheiros, professores, administradores e outros especialistas que, ao sair dos escritórios, trocam a gravata pelo volante, ou por outras tarefas mediadas por plataformas digitais.

Nos últimos anos, o avanço da economia de aplicativos no Brasil se consolidou como alternativa de renda para milhões de trabalhadores. Segundo levantamentos da PNAD Contínua (IBGE), o país tem entre 1,5 e 1,7 milhão de trabalhadores atuando por plataformas digitais, incluindo motoristas, entregadores e prestadores de serviços diversos. A informalidade elevada, que atinge mais de 70% desses trabalhadores, somada ao encarecimento do custo de vida e à estagnação dos salários formais, ajuda a explicar por que profissionais graduados têm recorrido de forma crescente a atividades paralelas para complementar o orçamento.

Mesmo com reajustes salariais em categorias específicas, o aumento do custo de vida e a escassez de oportunidades em determinadas áreas mantêm muitos profissionais em situação financeira delicada. Nesse cenário, o trabalho por aplicativos surge como uma alternativa rápida e flexível para complementar a renda, ainda que represente jornadas maiores e desgaste emocional.

Especialistas em mercado de trabalho apontam que o fenômeno não é isolado. Para o economista Hélio Zylberstajn (USP), “o emprego com carteira perdeu capacidade de garantir renda suficiente. Muitos trabalhadores formais estão recorrendo a atividades extras para complementar o salário”. A avaliação é compartilhada pelo Dieese, que destaca que a inflação acumulada nos últimos anos corroeu o poder de compra mesmo entre profissionais qualificados.

Um desses profissionais é Bruno, contador formado e atualmente coordenador em sua empresa. Apesar da estabilidade aparente, ele relata que o salário já não cobre todas as despesas do mês. Por isso, decidiu complementar a renda dirigindo por aplicativos. “Menos burocracia e agilidade para receber o dinheiro”, explica ao justificar por que escolheu os aplicativos como segunda atividade.

Bruno conta que trabalha em horário comercial no emprego formal e, após a jornada, segue por mais três a quatro horas no aplicativo, diariamente. A renda extra representa 20% de seu orçamento mensal, valor que ele considera indispensável atualmente. “No momento, meu salário principal não é suficiente”, afirma. “Conheço muitos outros profissionais qualificados que também recorrem aos aplicativos.” A rotina dupla, no entanto, cobra seu preço. “Impacta na vida pessoal e na saúde. É cansativo, mas necessário”, diz.

A experiência dele reflete um cenário cada vez mais frequente no país: mesmo com formação e emprego estável, muitos trabalhadores não conseguem manter o padrão de vida apenas com o salário formal. Plataformas digitais surgem como alternativa rápida e flexível, mas também representam jornadas maiores, desgaste físico e emocional.

A coexistência entre a atividade formal e as plataformas digitais mostra a fragilidade estrutural do mercado de trabalho, que oferece segurança limitada e oportunidades restritas. Com jornadas mais longas e uma rotina exaustiva, esses profissionais se veem desafiados a conciliar carreira, renda e qualidade de vida.

O avanço desse fenômeno reforça um alerta: mesmo profissionais qualificados têm encontrado dificuldade para depender exclusivamente do salário formal. Enquanto o custo de vida seguir subindo acima da renda, a busca por uma segunda fonte financeira tende a permanecer como parte da rotina de muitos trabalhadores brasileiros.

 

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