Quando a matemática encontra o desespero; Por Walter Pinto Filho

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“Na luta pela sobrevivência, toda vantagem é lei — e todo erro é sentença.” Ensinamentos de Thomas Hobbes.

No futebol, como na vida, não basta querer: é preciso suportar. A frase poderia estar em qualquer livro de filosofia, mas encontra seu sentido mais cru na última rodada do Brasileirão. Quando a tabela já não perdoa, quando a matemática vira sentença e quando 90 minutos separam a salvação do abismo, o que se joga em campo vai além do gramado — são histórias, emoções e destinos inteiros.

Cinco clubes chegam vivos à última batalha. Apenas três sairão de pé. Dois cairão. E nesse instante final do campeonato, a frieza dos números perde espaço para o peso psicológico, para o silêncio antes do apito inicial e para o grito preso na garganta de milhões de torcedores.

Ceará, Fortaleza e Santos carregam nas mãos o próprio futuro. Dependem apenas de si. É a vantagem mais valiosa que se pode ter em uma rodada final. Vencer e permanecer. Perder pode abrir as portas do inferno. O Ceará se apoia no calor da arquibancada, na fé de um povo acostumado a resistir. O Fortaleza se sustenta na arrancada final, no trabalho, na ideia de que planejamento também é uma forma de coragem — mesmo tendo errado muito no início. O Santos, mesmo ferido por uma temporada instável, carrega a mística de quem reinou por muito tempo. Em momentos assim, a camisa pesa — para o bem ou para o mal.

Já Internacional e Vitória vivem o que os antigos filósofos chamariam de prisão do acaso. Não basta vencer. É preciso torcer. É preciso depender. E depender, no futebol, é quase tão atroz quanto perder. “Não te glories do dia de amanhã, porque não sabes o que ele trará.” Provérbios 27:1. Cada rádio ligado, cada celular tremendo no bolso, cada atualização de placar vira um teste de resistência emocional. Esses dois clubes vivem exatamente isso: estão formalmente livres em campo, mas condenados a depender dos outros. Entendo que o Atlético mineiro não entra neste cenário de desespero – o saldo de gols diante do time baiano é gigantesco.

A última rodada nunca é apenas futebol. É nervo à flor da pele, é perna que pesa, é mente que falha. Um gol pode ser libertação. Um erro, sentença. Não há meio-termo. Não há reconstrução futura dentro dos 90 minutos. É por isso que este momento é tão doloroso quanto fascinante: tudo o que foi construído ao longo de meses pode ser desfeito em um único lance.

No fim, dois clubes carregarão a dor da queda — uma dor que não se mede apenas em pontos, mas em orgulho, memória e pertencimento. Outros três respirarão aliviados, como quem escapa por pouco de um naufrágio. Mas todos, sem exceção, sairão marcados. Porque o rebaixamento não começa na última rodada. Ele apenas revela, em sua forma mais brutal, tudo o que foi plantado antes.

E ao torcedor resta apenas esperar. E sofrer. Porque o esporte, como a própria existência, ensina do jeito mais duro: nem sempre o justo vence, mas sempre o mais forte emocionalmente sobrevive.

*Walter Pinto Filho é Promotor de Justiça em Fortaleza, autor dos livros CINEMA – A Lâmina que Corta e O Caso Cesare Battisti – A Confissão do Terrorista. www.filmesparasempre.com.br

 

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