Aspectos importantes da Sociedade Anônima de Futebol (SAF)- Parte II. Por Frederico Cortez e Gabriel Brandão

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Frederico Cortez é advogado, sócio fundador do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial e direito digital. Co-fundador da startup MyMarca- Propriedade Industrial & Intelectual. Palestrante e autor de diversos artigos sobre Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e Propriedade Industrial e Intelectual. Consultor jurídico do portal Focus.jor desde 2017.

Por Frederico Cortez e Gabriel Brandão
Post convidado

A Sociedade Anônima de Futebol conhecida como SAF foi criada pela Lei 14.193/21, onde vem ganhando ultimamente as manchetes dos principais veículos de comunicação do País. Qual o motivo? A problemática negociação do time do Cruzeiro com o ex-jogador e empresário Ronaldo Nazário, o “fenômeno”, quanto à transferência da gestão do time mineiro. A SAF como já dito na primeira parte deste especial (aqui), apresenta uma nova modalidade de gerenciamento à disposição dos clubes de futebol. Esse novo modal de administração traz uma série de inovações benéficas para os clubes, mas também carrega obrigações paralelas distintas para as partes e que se verifica um certo desequilíbrio não desejado.

A legislação trata-se de uma grande evolução para a administração dos clubes desportivos brasileiros, posto que a regra até então era de que as dívidas deviam ser socorridas pela Governo Federal, e por tabela a conta ficava (ou ainda fica) para a sociedade. Agora é diferente, temos aqui o divisor de águas para separar o clube de futebol que realmente deseja crescer por meio de investimento externo. Diferentemente do já cansado e vencido formato aqui instalado até então, que se destina tão somente para ser uma antessala de um seleto grupo fechado de amigos e cujo hobby é “administrar” sua agremiação desportiva do coração.

Uma das primeiras lições que devemos tirar da SAF do time da raposa, diz respeito para a importância de uma SAF equilibrada em seus direitos e deveres para os dois lados (time e investidor). Um dos pontos que chama atenção repousa na aplicação da redação do art. 2º, § 2º e incisos I, II, III e IV da Lei 14.193/21 (Lei da SAF), posto que são omissos quanto ao direito de imagem dos jogadores, propriedade industrial e respeito aos contratos já celebrados entre o clube e terceiro privado ou público. Aqui, a autonomia sobre o direito de imagem dos jogares fica escanteado, uma vez que a transferência desse tipo de contrato é automática, cuja transição é de caráter obrigatória à Sociedade Anônima de Futebol e sem caber qualquer tipo de questionamento por parte do titular da imagem.

Outro “esquecimento” (proposital ou não?!) da nova legislação de gestão de clube desportivo reside quanto aos direitos sobre a propriedade intelectual de titularidade do time de futebol, onde apenas faz uma reserva genérica sem adentrar em pormenores importantes e necessários. Soma-se também que, a mesma parte da nova legislação renega acerca dos direitos sobre a propriedade industrial do clube desportivo aderente à SAF. O que atualmente está em alta na discussão da questionada SAF do Cruzeiro.

O que podemos afirmar é que a Lei 14.193/21 é ousada e avança em muitos princípios que norteiam os contratos de acordo com a legislação civil brasileira, tais como os postulados da probidade e da boa-fé contratual. Assim, enxergamos que o inciso IV do §2º, do art. 2º cruza a linha vermelha ao impor que “a transferência dos direitos e do patrimônio para a Sociedade Anônima do Futebol independe de autorização ou consentimento de credores ou partes interessadas, inclusive aqueles de natureza pública, salvo se disposto de modo diverso em contrato ou outro negócio jurídico”.

Gabriel Brandão é advogado, sócio-fundador da Advocacia Gabriel Brandão, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Unifor, vice-presidente da ABRACRIM-CE e Diretor da Academia Cearense de Direito

Ora, nem mesmo os contratos de natureza pública são blindados, o que colide com o princípio do melhor interesse público e da coletividade, priorizando assim o interesse privado (leia-se: clubes e investidores). Em um ato que se reveste de uma verdadeira emenda numa colcha de retalhos, a parte final deste enunciado “garante” a não incidência de tal imposição da SAF se “disposto de modo diverso em contrato ou outro negócio jurídico”.

Mas vejam bem prezados (as) leitores, qual contrato pretérito ao ano de 2021 previa a promulgação da Sociedade Anônima de Futebol? Isso é o que denominamos de inovar para atrás! E onde fica a segurança jurídica dos contratos já realizados entre o clube da raposa e terceiros de boa-fé? Lembremos que todo esse debate aqui gira em torno de tão somente quatro incisos de um parágrafo que se encontra em um único artigo da SAF.

Repisemos que, a SAF é uma inovação para o futuro da maioria dos clubes desportivos no Brasil, onde não deve e nem merece se tornar uma “lei morta”. A pedra angular aqui está na moldura da SAF a ser adotada por cada time específico, dentro de suas necessidades e peculiaridades, e não apenas ser um mero documento redigido para cumprir uma formalidade qualquer e diversa do que preceitua a nova legislação e, principalmente, a vontade do clube de futebol.

Importante destacarmos aqui, que toda essa atenção que apontamos não é relutância à SAF. Pelo contrário, pois a nova legislação apresenta muitos pontos positivos também, sobrepondo aos quesitos enfrentados pelos presentes coautores do escrito. Os clubes devem ter é a devida cautela na construção do documento que vai instituir a SAF, em sua gestão. Cada caso deve ser analisado com muita profundidade e transparência entre todos, principalmente quanto às dívidas fiscais, trabalhistas e previdenciárias do time.

A SAF destaca em sua redação dois pontos importantes quanto às dívidas do clube, ao pontuar sobre o “Regime Centralizado de Execuções” e “Recuperação Judicial e Extrajudicial do Clube ou Pessoa Jurídica Original”. Esses dois destaques da SAF também serão debatidos, em outra oportunidade desta série.

De mais a mais, o êxito da constituição de S.A.F em clube desportivo brasileiro passa necessariamente pela contratação de uma assessoria jurídica competente, para que atue na elaboração de uma auditoria transparente, notadamente relativo ao levantamento integral das dívidas, e de um contrato seguro e bem confeccionado, onde restará previsto, sem exceção, todos os deveres e obrigações entre as partes interessadas no negócio, sob pena de colocar em xeque a grata inovação criada pela Lei 14.193/2021, como, por exemplo, está acontecendo no Cruzeiro Esporte Clube. Tudo fruto de uma negociação inadequada, repise-se.

Destarte, para mitigar riscos que a constituição da SAF pode eventualmente causar, a elaboração de um contrato bem construído é condição sine qua non, dentro das bases legais previstas pela legislação acima referida, bem como pelo Código Civil ( Lei 10.406/02), pela Lei de Direito Autoral (Lei 9.610/98) e pela Lei de Propriedade Industrial ( Lei 9.279/96) sem ferir, obviamente, nenhum direito das partes e, ao mesmo tempo, proteger os interesses do clube e dos credores.

Aliás, nesse diapasão, os administradores da Sociedade Anônima do Futebol respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações relativas aos repasses financeiros definidos no art. 10 desta Lei, assim como respondem, pessoal e solidariamente, o presidente do clube ou os sócios administradores da pessoa jurídica original pelo pagamento aos credores dos valores que forem transferidos pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme estabelecido pelo artigo 11 da Lei 14.193/2021.

Tal previsão é importante, porquanto, além de conferir segurança jurídica aos credores da entidade desportiva, implica maiores responsabilidades pessoais ao presidente da clube e ao administrador da SAF, que terão mais atenção e probidade ao fechar o referido negócio.

De toda sorte, os clubes de pequeno e médio porte serão os primeiros a canalizarem sua gestão para o modelo da SAF. A realidade econômica dessas agremiações desportivas do futebol brasileiro tem em comum muitas dívidas, sem caixa para contratar novos jogadores e nem formar atletas de de base, inúmeras ações judiciais trabalhistas e de execuções fiscais, salários de funcionários atrasados. Enfim, a Sociedade Anônima de Futebol é o farol tão esperado para a continuidade de muitos clubes de futebol. Mas para isso, há que ter o desapego por parte da suas diretorias e o real banimento do sentimento de pertencimento do clube como um patrimônio próprio. Do contrário, teremos em breve muitos times tradicionais encerrando suas atividades por todo o Brasil.

A SAF vem para dar o real sentido e espírito de coletividade para o time de futebol.

Até a próxima publicação desta série especial…

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