
“No Brasil a virtude, quando existe, é heróica, porque tem que lutar com a opinião e com o governo.”
— José Bonifácio, em Projetos para o Brasil
De Portugal, dizem que o Brasil atravessa uma emergência democrática.
Não é de agora, convenhamos. Tantos anos decorridos, a gente lusitana ainda busca entender o que se perdeu — ou não se construiu — na formação do Reino de Portugal, Brasil e Algarves.
Desde o nosso “achamento”, como os portugueses gostam de chamar aquele “esbarramento” a que Cabral foi levado, por intenção ou sorte, às beiradas do Monte Pascoal, vivemos emergências patrióticas em defesa da fé, da família e da pátria.
Não seria, melhor dizendo, uma “emergência totalitária”? Um daqueles assomos de “autoridade auto-constituída” de que o Brasil foi vítima tantas vezes, das origens coloniais até estes tempos de democracia “sub judice”?
Das crises repetidas de autoritarismo e arbítrio, escapamos sempre por exaustão assistida, nunca por reação espontânea.
Até a nossa “Independência”, proclamada às margens plácidas de um riacho poluído — com a modernidade que hoje alcançou — foi fruto do acaso. Não dá para esquecer a triste figura do príncipe disfarçado de mascate, em desobriga pelo interior de São Paulo, com algumas montarias, tentando conhecer os limites de seu “império”.
Naquela visita, Pedro não esqueceu a exortação de José Bonifácio: “irresolução e medidas de água morna” de nada serviriam diante dos poderes da Coroa.
E foi assim que, numa manhã, os cavaleiros dissimulados do jovem príncipe receberam de Leopoldina — por estafeta montado — o ato que assinara com a firmeza que faltava ao esposo. Ela, da estirpe Habsburgo-Lorena, irmã de Maria Luisa, esposa de Napoleão, emprestava decisão onde ele vacilava.
Atônito, embaraçado por tantas dúvidas e hesitações, o futuro Imperador do Brasil voltou-se ao padre Melchior, confessor da Corte, e perguntou:
— E agora, padre Melchior?
Por todos esses tempos de Monarquia e Império não temos feito outra coisa senão repetir o que nos faltou decidir a tempo.
“E agora, o que fazer?”
De irresoluções e medidas mornas, como temia Bonifácio, ainda vivemos. Somos uma nação de postergadores assumidos. Agimos com os olhos voltados para negociações possíveis, para acordos de conciliação, para indenizações de interesses. Compramos da Inglaterra a nossa Independência com os saldos de caixa do Banco do Brasil. Já naqueles tempos distantes, a nossa casa bancária oficial financiava os primeiros impulsos de soberania.
Para sanar essas dúvidas essenciais — e agora? — responderam, cada qual a seu modo e interesse, regentes, conselheiros, o Imperador, diplomatas da Pérfida Albion, antístites da Igreja, militares, políticos e vozes da Justiça. Golpes, “revoluções” e abluções jurídicas, porém, nunca foram suficientes para nos mostrar a saída.
E agora, mais uma vez, o que fazer?
