[Brasileiros em território de guerra]
Por ali, na Marketplatz, entramos em uma uma agência de turismo. Corriam os anos 1991 e a uma jovem com a beleza da Norte Westfalia, com um doce francês parisiense, indaguei como programar-me para sair de Colônia, por terra, a ponto de alcançar Moscou, vivo. Propunha-me fazer a travessia de extensos territórios, em um Renault francês.
Sua reação foi surpreendente. Olhou-me espantada.
“É isso mesmo que estou ouvindo: o senhor quer pegar a estrada para ir à Moscou?” E arrematou: “por que o senhor não faz como todo mundo, pega um trem? Ou não confia na Lufthansa que opera nestas linhas?”
Espantei-me: “E por que não poderia ir à Moscou pela estrada?”
A criaturinha olhou-me nos olhos, com visível desagrado, desaconselhando-me, que as estradas ainda não haviam sido recuperadas, não havia postos de abastecimento entre as cidades, nem pousadas, nem “zimmerfrei”, e mostrou-me outros riscos que nos aguardariam na árdua travessia.
Renunciei, em face das circunstâncias, aos meus propósitos desavisados para viajar a lugares tão remotos, considerados, outrora, “terras de ninguém”, nas quais se travaram trágicas batalhas, desde Carlos Magno e a queda do Império Germânico do Ocidente.
Internamo-nos pela Alemanha Oriental em busca de aventuras, no piso do rastro das esteiras dos panzers de Guderian e dos exércitos de Zhukov.
Embrenhamo-nos por um velha estrada pontilhada pelos vestígios das bombas aéreas, com o orgulho próprio dos conquistadores, a rodar no Renault, como se repetisse a proeza dos exércitos aliados nas esteiras de Paton… Imprimi velocidade ao carro e conservei-o em 120 quilômetros horários…
Em uma curva desajeitada da estrada: uma patrulha estacionada, uma velha Kombi cansada de guerra e um cabo com o dólmã aberto, relaxado e gordo, com a cara de milico em final de guerra. Mostrou sua autoridade decadente, porém atemorizante, e me fez estacionar com autoridade.
Aproximou-se, éramos estrangeiros: “Brazilianer?”. “Oui”, respondi-lhe na única língua de prestígio disponível que me acudiu.
“Ein problem!”, a resposta ríspida e definitiva.
E pôs-se a falar em alemão, sem controle, com o esgar da autoridade ofendida estampado no rosto suado. O olhar reprovador dava-me medo pela gravidade da contravenção cometida, o excesso de velocidade e pela minha ignorância em línguas modernas.
Indaguei-lhe, temeroso: “Ein problem?”, num tom sarcástico que felizmente não foi percebido.
“Ein problem!”, redarguiu. Desisti de tentar a falar a sua língua.
Trouxe-me uma caderneta, e em uma página em branco uma conta elementar de subtração:
120
80
——-
40
E com o dedo em riste apontava para os 40:
“Ein problem!” Dei-me conta de haver cometido severa infração que poderia levar-me a uma condenação na prisão de Spandau. Talvez a uma pena perpétua.
Refleti com os meus botões — Zuleide calara-se por prudência refletida — sobre a conveniência de uma negociação. A velocidade máxima permitida era de 80 quilômetros/hora… Uma conversinha talvez desarmasse a autoridade e a fizesse aceitar um entendimento civilizado, conveniente e satisfatório para ambas as partes. A ideia de um “agrado”, suborno bem induzido foi afastada. E se o cabo resistisse ao assédio, digamos que fosse uma criatura honesta? Tudo era possível.
Melhor, não…
E para completar: “200 deutch marks”, reclamava o cabo Fritz Achtung, como viria a saber em seguida.
Ainda quis me fazer de desentendido, porém a autoridade já contava com a grana para uma “bier” e permaneceu irredutível. Milico russo e alemão, senhores da guerra, sabem empregar a sua autoridade…