Por aqueles tempos, quando os brasileiros costumavam exilar-se no Quartier Latin, antes de se refugiarem na Louis-Vuitton, dos Champs-Elysées, andei a frequentar aulas e cursos pela cidade de Paris.
Por não existirem “campus”, esta terrível invenção imobiliária americana, na qual tudo se junta, até estudantes, os cursos universitários, na velha Lutecia, espalham-se pelos “arrondissements” gloriosos de Haussement. Muitas vezes pelos “quartiers” mais distantes.
Era um corre-corre exaustivo, do boulevard Arago, en face de la prison de la Santé, à rue Souflot, da rue Saint-Jacques à la rue de Rivoli, de ônibus, de metrô ou a pé a correr para não perder a hora.
Da Faculté de Droit ao IEDES, a ouvir longas preleções sobre hermenêutica ou a rever conhecimentos de estatística, mal-aprendidos em português, aqui mesmo na UFC…
Na parte da manhã, acorríamos aos Cours Magistraux, o maître enfarpelado em uma austera toga, na sua versão de veste talar, com tampa à cabeça, e o bedel de “croisé, carregado de uma pesada corrente ao pescoço. Era assim que se estudava em Paris, por volta de 1963, e ali nos refugiávamos da democracia relativa que sempre existiu no Brasil. Agora com novas perspectivas anunciadas. Data venia.
Claude Levy-Strauss, na sua aula inaugural no Collège de France, foi orientado a entrar no anfiteatro com 400 alunos, ansiosos por ouvirem a palavra do maior antropólogo francês, por uma porta lateral, dissimilada entre móveis seculares. O bedel tranquilizou o Mestre:
“Esta é a melhor forma que descobri para livrar os professores eméritos de serem importunados com perguntas inadequadas pelos alunos!”.
De fato, era um expediente eficiente. Um recurso pedagógico que não ocorrera a Paulo Freire. Ninguém abria a boca — só o catedrático… “Et pour cause”.
À tarde, éramos encaminhados aos “Cours Pratiques”, numa sala miúda com 20 alunos.
Cada estudante — “élève” — deveria ler um livro por semana. Por esta prática corajosa haveria de apresentar provas, palpáveis, conferidas pelo “ assistant de conférences”. A leitura resumida em fichas que os alunos deveriam conduzir nas suas pastas. As fichas e o passaporte.
Naquela tarde, a jovem professora, saia curta e pernas acusatórias, grossas e bem torneadas de “femme Provençale”, aponta para um bolsista, vindo de Ouagadugu, Alto Volta, com os riscos de nobreza esculpido do rosto, negro como era hábito designar as pessoas provenientes de terra d’Africa, e diz”
O pobre e distinto aluno, vítima de centenárias experiências colonizadoras, tomado de susto, responde”:
“Madame, excusez,moi, j’oublié les fiches. J’ai laissé toute ma culture juridique chez moi!”