
Durante muito tempo, a carteira assinada foi o símbolo da conquista. Era o atestado de estabilidade, direitos e pertencimento a um sistema que, apesar de imperfeito, garantia previsibilidade. A onda do “seja seu próprio chefe” tentou desmontar esse ideal, vendendo o empreendedorismo como sinônimo de liberdade. Agora, a realidade começa a cobrar sua fatura.
Uma pesquisa da CUT e do Vox Populi, em parceria com o Dieese, mostra que 56% dos autônomos que já tiveram registro em carteira gostariam de voltar ao regime CLT. A constatação é um golpe no discurso romantizado do empreendedorismo que se espalhou nas redes e nos discursos motivacionais — muitas vezes como resposta à ausência de empregos formais.
O mito da autonomia
Mais da metade dos entrevistados acredita que o brasileiro “prefere empreender”. Mas, quando o assunto é segurança financeira, o desejo de estabilidade reaparece. A informalidade já atinge 37,8% da força de trabalho, segundo o IBGE, impulsionada por um cenário em que o trabalho formal paga pouco e exige muito.
O empreendedorismo de necessidade
No Valor, o pesquisador Nelson Marconi (FGV) explica: a chamada pejotização se espalhou entre os menos escolarizados — e a ideia de que o autônomo ganha mais é uma meia-verdade. “Trabalha-se mais horas, mas a remuneração por hora é menor”, diz. É o que os sindicalistas chamam de “empreendedorismo de necessidade” — aquele que surge da falta de opção, não de vocação.
Entre os que escolheram ser autônomos, os principais motivos são previsíveis: flexibilidade de horário (35%), ser o próprio patrão (25%) e fazer o que gosta (18%). Motivos legítimos, mas frágeis diante da ausência de direitos trabalhistas, férias, 13º e previdência.
O risco invisível
Marconi alerta para o efeito colateral dessa tendência: uma geração que não vai se aposentar. O número crescente de informais sem contribuição previdenciária ameaça o equilíbrio do sistema no futuro. “A CLT pode estar velha, mas continua sendo a rede mínima de proteção social que temos”, resume.
No fim, o Brasil se vê dividido entre o sonho do “negócio próprio” e a saudade do holerite no fim do mês. O discurso da liberdade serviu para encobrir uma precarização profunda.
E, como mostram os dados, a maioria já começa a perceber que liberdade sem proteção é só outro nome para vulnerabilidade.







