“Os ídolos são pesados demais para serem carregados pela verdade.” — Nietzsche
No ano de 2014, a revista Veja, edição 2509, trouxe à tona um episódio emblemático: o de um cidadão comum, Roberto Carlos Vieira, corretor capixaba que batizou sua empresa de ROBERTO CARLOS IMÓVEIS. Nenhuma manobra, nenhum ardil — apenas o uso legítimo do próprio nome civil para trabalhar. Do outro lado, um colosso da indústria do entretenimento, Roberto Carlos Braga, o “Rei”, acionava a máquina jurídica para impedir que um homônimo existisse no mercado. Desde então, sustentei o óbvio: nome próprio não é monopólio de celebridade; a fama não cria feudo.
Em 2016, o Judiciário rechaçou a tese de violação de marca e reconheceu o que sempre esteve claro: não havia confusão, concorrência desleal nem má-fé do corretor. O uso de seu nome civil, em ramo diverso, não usurpava a aura mercadológica do artista. Naquele momento, publiquei um artigo defendendo o direito da imobiliária de registrar seu nome comercial — e recebi críticas, pois o caso ainda estava longe do fim.
Mas a vitória parcial não apagou o sofrimento. O pequeno empreendedor falou em vida destruída, prejuízos irreparáveis. Disse que passou noites em claro — o medo da fúria de um ídolo era avassalador. Contra gigantes, o cidadão simples se vê sempre vulnerável. Há advogados influentes, testemunhas que mentem, jornalistas que silenciam. O poder seduz até os servos mais vis.
Outro processo semelhante foi movido contra Roberto Carlos Dantas Fernandes, empreendedor da Paraíba, dono de uma imobiliária e construtora na cidade de Conde. Esse litígio, iniciado em 2009, chegou ao STJ e, só em 2021, a verdade foi selada: o Tribunal confirmou a vitória do corretor. Mais uma vez, um Roberto Carlos desconhecido venceu a disputa, enquanto o “Rei” saiu derrotado pela lei que não se curvou às vaidades. Estes fatos precisam ser lembrados — porque a história oficial costuma esconder o que não convém aos poderosos.
O gesto do cantor não teve grandeza: não havia honra a proteger, apenas a vaidade ferida de quem se acostumou a ser bajulado. Um capricho mesquinho travestido de direito. Camus lembrava: “o tirano sempre encontra juízes que o servem; o desafio é quando encontra juízes que o contradizem.” A frase não se refere a pessoas, mas a situações de poder em geral. No episódio concreto, o contraste foi evidente: diante da Justiça, o artista não encontrou eco para sua pretensão e, para seu desconforto, foi contrariado por decisões que afirmaram o direito do cidadão comum.
Sempre existiram mais ídolos do que realidades. E a massa, fascinada, perdoa aos artistas aquilo que jamais perdoaria a um açougueiro ou a um corretor de imóveis. É a glorificação da ignorância: quando a fama absolve o abuso e a plateia aplaude a soberba.
Eis a lição: a Justiça, quando justa, desfaz a máscara da vaidade e segue sua cavalgada — firme, inevitável, libertando homens comuns do poder abusivo.
