2021, 11 de agosto, estou em São Paulo, almoço anual da confraria, quando nós outros, curtidores das letras jurídicas, comemoramos a data. Estou no Largo de São Francisco. Situada na mesma avenida da velha Faculdade, resiste uma livraria, Casa do Livro Jurídico.
Realizo hoje um desejo por décadas acalentado, desejo maduro: adquiri o Tratado de Direito Privado, do nosso Pontes de Miranda.
A obra, conquanto dela emane o sentido das coisas antigas chanceladas pelo tempo, encontra-se perfeita, diria mesmo: intacta. Raridade encontrar.
O alagoano Pontes de Miranda, nascido em 1892, produziu uma obra inacreditável, em quantidade e qualidade. A obra é a certidão, para o mundo, do que o Brasil pode ser. Hoje, extraviada a atmosfera de esperança, acho que é nosso futuro do pretérito.
Desse Mestre, dessa sua obra magna, busco o estilo e a maneira de pensar.
E vem sempre a pergunta: como ele conseguiu? Ele mesmo respondia, galhofeiro, que mantinha sete sábios alemães acorrentados em seu sótão.
Mas vem ao mesmo tempo a pergunta de sempre: o que caracteriza um clássico, ou seja, as obras que transcendem o seu tempo?
Pareceu-me que agora, proprietário do Tratado, passo a outra etapa da vida, na linha existencial. A obra equivale, portanto, a um salvo-conduto a essa outra etapa, que planejo viver com o gosto que o milagre da vida sugere.
Mas também em termos materiais: adquiri meu latifúndio, 60 volumes a serem percorridos.
O que diria, do alto, do outro lado do tempo, aquele antropólogo, senhor de biblioteca tão diversa, vendo seu filho, a criança de outrora, que ele acalentou, agora cinquentão, agora grisalho, buscando no passado o precioso amuleto do futuro.
Realizado, cumprimento o livreiro, esse que cuidou da obra, pessoa especial, e ganho as ruas do centro de São Paulo, entre prédios e passantes de todos os tipos, nessa manhã fria.