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Presságios. Por Angela Barros Leal

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Não, não houve nenhum aviso prévio que me indicasse que era a chegado o grande momento. Os passarinhos não se recolheram para dormir no meio da tarde. Os cães não ganiram assustados, com a antecipação do final do dia. Os sinos das igrejas não tocaram avisando aos fiéis sobre a possível aproximação do Apocalipse. Sim, foi a mudança na luminosidade da cozinha, a alteração no raio de luz que costuma atravessar minha cozinha, entre 4 e 5 horas da tarde, que me comunicou o início do eclipse solar de outubro de 2023.

Quase dei de ombros: pairava na memória uma vaga certeza de ter visto o evento anterior, embora dele não lembrasse com clareza, tantas luas passadas. Acontecera um dia desses, em algum mês de 1994, ano em que se deram fatos estranhos e inesperados: O time da Bulgária derrotou o da Alemanha nos jogos da Copa do Mundo. O Brasil virou Tetra. Comprava-se 1 dólar com 1 real. Airton Senna despediu-se de nós em uma curva fechada.

Outro eclipse virá, daqui a 20 ou 25 anos, pensei, ocupada na pia, sem me distrair com a mudança de tonalidade do feixe luminoso, escurecendo no piso da cozinha. É apenas mais um eclipse, para que tanta pressa. Mas os netos chegaram, alvoroçados com a possibilidade de ver o primeiro eclipse da vida deles, e lá fui eu abrir gavetas, remexer armários, na busca de antigas radiografias, pois nenhum de nós se preparara com os equipamentos atuais recomendados.

Na falta desses, uma antiga série de chapas de raio-x, mostrando a estrutura óssea do meu joelho direito, deveria servir. Pelo menos era assim que fazíamos na nossa infância, com a aquiescência dos nossos pais, para visualizar os fenômenos celestes.

Na varanda, olhos postos nas sombras do céu, fui forçada a responder questionamentos: Não, naquele tempo de infância não dançávamos em volta de fogueiras, agitando chocalhos ou maracás para espantar os maus espíritos, como acreditava minha neta. Não, não realizávamos sangrentos sacrifícios humanos ou animais para apaziguar a ira dos deuses, que nos lançavam nos temores de uma noite diurna, como pensava meu neto. Não, não corríamos em massa para os templos, véu nas cabeças e terço nas mãos, aflitos para confessar nossos pecados, como imaginava minha nora.

Olhávamos, sim, para o sol, do mesmo jeito que fizemos agora, pondo em risco nossas retinas, buscando os pontos mais escuros do raio-x para amenizar a luz, admirando a pequena lua desafiando com sua sombra a imensidão solar, “como se levada por anjo”, no dizer de Nostradamus.

Sim, ele, o hermético profeta francês Michel de Nostredame, mais conhecido por Nostradamus, em cujo tempo – meados do século XVI – fenômenos da natureza como a passagem de cometas, o alinhamento dos astros, as enchentes dos rios, o estremecimento da terra e, em especial, o acontecer de eclipses, eram interpretados como claros sinais divinos, prenunciando ainda maiores tragédias.

Por isso registraria, em uma de suas 12 Centúrias: “Quando ocorrer o eclipse do Sol então,/ O monstro será visto dia por completo:/ De modo errado isso será interpretado,/ preço alto pela desproteção: ninguém terá previsto isto.” Ou: “Atingido por trás, fogo, lança e por fogos:/ Gritos, uivos ouvidos à meia-noite:/ Terão lugar nas muralhas quebradas,/ Os traidores escapam pelas passagens subterrâneas.” Ou ainda: “Lei nova para ocupar a terra nova/ Para a Síria, Judeia e Palestina:/ O grande império bárbaro em declínio,/ antes da Lua completar seu ciclo.”

O que desejaria ele dizer com tal linguajar truncado, traduzido a duras penas do francês arcaico, asseguro que não sei. Temo apenas que, mais uma vez, a violência envolvendo o Leste europeu e o Oriente Médio acene uma sofrida relação de presságios com aquele obscurecimento do sol. E penso, incorporando temores ancestrais, se não teria sido mais valioso para a paz mundial, naquela pseudo-noite de outubro, termos ao alcance das mãos, ao invés das chapas de raio-x do meu joelho, um carneirinho de carne tenra, pronto para ser oferecido em sacrifício a Deus, aos deuses.

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