Tome, doutor, esta tesoura
e corte a minha singularissima pessoa
Augusto dos Anjos – Budismo Moderno
Senti a aproximação do jovem. Esperávamos ser atendidos em uma padaria. Ele incorporara com certo requinte casual as suas singularidades, no vestimento, nas tatuagens ostensivas, sinais visíveis de uma identidade elaborada. Por certo, associara-se a uma dessas nações que se fazem notar pelas suas diferenças e por certas semelhanças incomuns.
Discreto, não fora a moldura de uma encadernação inusitada, foi atendido e saiu com o mesmo ar de enfado que o trouxe ao balcão da confeitaria.
A singularidade, estranha compulsão por mostrar-se diferente, não é um traço novo entre criaturas que tanto se esforçam em perfilhar uma forma distinta de identidade. Muitos desses trânsfugas em persistente empenho de mudança procuram distinguir-se pelo gestual, pelo modo de vestir, pelos adornos, na fala e atitudes sinuosas — outros, pelas ideias.
A singularidade que os seduz é construída por um diferencial marcante e impositivo. Assemelha-se a um processo estudado de transformismo ou mimetismo social.
Esse misterioso instinto para a singularização, aparentemente compulsivo, em pessoas desvalidas de auto-controle, ganha projeção maior entre intelectuais ou pessoas motivadas pelo contraditório dialético no plano das ideias.
Com o tempo, esses atores vão-se tornando especiosamente senhores de opiniões igualmente singulares.
A força de um imaginário singular, até então adormecido, desperta novas demandas e entendimentos inusitados sobre questões aparentemente inócuas.
O desejo de refundação de valores consagrados, a descoberta de veios inexplorados alimentados por uma surpreendente imaginação torna tudo ao nosso redor, obsoleto, pronto para ser desconstruído.
Essas ondas “refundadoras” surgem de tempos em tempos como consequência de um profundo questionamento de valores, ao fim da primeira e segunda grandes guerras. Agora , despontam na Califórnia, pela grafitagem cuktural de Gramsci ou por conta da revolução cultural de Mao, nos bancos da Sorbonne e na alegria esfuziante do orgulho de gênero que toma conta das paradas em todo o mundo.
Surgem bancadas de forte apego singularizadores , entre “wokes” e “queers”, minimalistas assumidos empenhado na construção de um novo vernáculo e de uma nova sociedade.
A civilização, conforme a ideia que, justa ou injustamente, fazemos deste processo, é um feito/fato em constante e permanente mudança, desvalido da força de inércia que contenha os seus arroubos de renovação. De desconstrução para os conservadores; de construção para os progressistas.
O processo civilizatório opera-se paradoxalmente pelo vetor “guerra”, o mais eficiente fato ou ocorrência, de mudança entre os humanos.
As religiões impõem-se pelas armas e pelo medo, raramente pelas razões da fé. Os Estados formam-se a golpes de espada, em nome de duvidosas intenções…civilizatórias. As ideias transformam-se em armas singulares e fatais. As ideologias emprestam às ideias a força de uma predição do Oráculo de Delfos. São capazes de construir por simples e confirmada credulidade a revelação em fatos significativos. Singularmente significativos.