Por Angela Barros Leal
Articulista do Focus
De vez em quando, alguém que conhece meu voluntário ofício na escrita me dá notícias de algo que, como é dito, “merece uma crônica”. São fatos que trazem um grau maior ou menor de curiosidade, de interesse, ou a narrativa de algo inusitado, testemunhado pelo interlocutor.
Escuto e respeito todas as informações. Guardo cada oferta depositada nas minhas mãos como um presente precioso, a ser recuperado nos momentos de escassez inspiradora, nos quais a Musa se ausenta ou a inspiração foge pela ponta dos dedos.
Até porque muitas vezes me vejo por aí, ativamente à caça de histórias para contar, alongando meus poderes de audição e atenção, sintonizada em palavras e ações alheias, incapaz de evitar o furto imaterial do que não me pertence.
Embora me penitencie depois, pelas inconfidências levadas a público, sei que essa é a natureza de quem precisa escrever, diária ou semanalmente, sobre tudo e sobre nada. Daí eu ter escutado com solicitude o que me conta uma pessoa querida.
Um dia desses, em um restaurante da cidade, enquanto aguardava seus convidados conversara com um dos atendentes. No crachá estava escrito o nome dele: Homero. Por alguma razão que não sabe mais explicar, a conversa enveredara para um caminho mais pessoal, e o atendente listara para ela o nome dos irmãos: Heraldo, Hermano, Helena, Herbene – e Cleide.
Entre risos ela me perguntara, como se eu tivesse a resposta: o que teria acontecido para os pais decidirem abandonar a sequência harmoniosa de Hs, vinda com tanto ritmo, surpreendendo com a súbita intromissão de uma letra C?
Parecia com outra família que eu conhecia, eu disse a ela, todos os filhos com a inicial R de Ricardo, Renato, Rivaldo, Regina, entremeado por um Cristiano.
Rimos juntas, e trocamos histórias na mesma linha, de famílias que privilegiam, na certidão de nascimento, criar uma fusão dos nomes de pai e mãe, ou dos nomes de avós, criando prenomes exclusivos e inimitáveis. De pais que resolvem louvar seus ídolos esportivos, cientistas famosos, personagens de livros, de filmes, ou de novelas da TV, pouco preocupados com a repercussão futura que o nome poderá exercer sobre as crianças.
Rimos juntas ainda mais, embora de certa forma eu também carregue uma dessas marcas, relacionadas à escolha dos nomes para os filhos, determinada pelos pais.
No caso particular, meu pai contava, como uma daquelas lendas familiares, repetidas incontáveis vezes, ter sido desejo dele compor, com a primeira letra do nome de cada filho, um acróstico: forma poética de iniciar cada linha do verso com uma letra específica. Lida no sentido vertical, a sequência permite destacar o nome de um homenageado, ou a mensagem que se deseja transmitir.
Assim é que fomos à pia batismal, em rápida sequência, Angela, Virginia e Elisabeth, seguidas por Fernando, Adriano e Tarcísio. Não precisa muito esforço para descobrir o intuito paterno: é suficiente unir as iniciais de cada nome para encontrar o acróstico criativo, de fundo religioso, buscado por nosso pai: AVE FAT.
O desafio posto à frente, ele dizia, seria como completar a missão, faltando ainda as letras IMA, ou seja, mais três filhos.
Nossa mãe, com a objetividade de sempre, eliminou o dilema pela raiz: deu à última filha o nome de Maria de Lourdes, em homenagem à mãe dela. Truncava o projeto do nosso pai, é verdade, mas permitia uma leve escapatória.
Com um tanto de boa vontade, vendo a situação pelo lado positivo, o acróstico desejado por ele poderia ser lido como AVE FATMA, omitida a letra I e adaptada a letra A. A homenagem havia sido feita.
Em questões de nome, William Shakespeare escreveu, no clássico Romeu e Julieta: “O que há em um nome? Uma rosa, com qualquer outro nome, teria o mesmo perfume”. Pois é. Dentro da minha listagem de fatos que merecem uma crônica, esse dos nomes bem que pode ser um deles.
Angela Barros Leal é jornalista, escritora e colaboradora do Focus Poder.