Por Emanuel Freitas
Especial para o Focus Poder
Na eleição de 2020, um dos primeiros vídeos de campanha de rua disponíveis nas redes do então candidato à Prefeitura de Fortaleza pela segunda vez, Capitão Wagner, era ele com a aliada Silvana Pereira, deputada estadual, representante tenaz das pautas tidas como “cristãs”, em que o candidato prometia: “vamos devolver Fortaleza aos cristãos!”.
Um largo sorriso se via no rosto de sua, hoje, opositora ferrenha (inclusive, desacreditando seu trabalho como secretário de saúde de Maracanaú, cargo hoje ocupado por sua irmã – competência também é “caso de família”).
Tanto em 2016 como em 2020, Wagner disputou com apoio expressivo de segmentos religiosos, com destaque para evangélicos e católicos carismáticos. Os autoproclamados “pró-vida” marcharam com ele nas duas ocasiões, e, o/a leitor/a lembrar-se-á, em 2020 tivemos um segundo turno sob a ameaça da “perseguição aos cristãos” e do “fechamento de igrejas” caso o “candidato do PDT” ganhasse a eleição. Wagner seria o grande salvador!
Sarto ganhou e as igrejas permanecem abertas e com bastante incentivos, inclusive tributários.
Pois bem, nesta eleição dois fatos deram a tônica inicial dos usos da religião na disputa:
1– o projeto “Bíblia nas escolas”, anunciado pelo governador Elmano ao lado do ex-opositor deputado Luiz Henrique, blindaria o candidato do PT das acusações de “anticristão” – como poderia perseguir igrejas quem promete distribuir Bíblias? Exatamente por isso, até aqui não se viu nenhuma crítica religiosa a Evandro, o “candidato do PT”;
2– a candidatura própria de André retiraria os religiosos do lado de Wagner, o que se agravaria com a escolha de sua vice, Alcyvania, do catolicismo carismático (talvez por isso, Carlos Matos, da mesma Shalom que Alcyvania, seja um dos nomes fortes da campanha de Wagner).
Isso posto, restou a Wagner duas cartadas em uma só: escolher uma mulher e evangélica como vice. Bingo!
Mas, até a sexta passada a gramática de sua campanha, e da disputa em geral, passava ao largo da religião. Até que … viessem as pesquisas e mostrassem que o eleitorado evangélico está rachado, com leve vantagem para André.
É com esses números – ou seja, com as PESQUISAS -, que se pode entender os movimentos de Wagner nesta semana.
No domingo, depois da polêmica instalada com André, Wagner republicou vídeo em que se congratulava, junto de sua vice – “minha irmã”, “da Assembleia de Deus Montese”, esposa e nora “de pastor” -, de ter sido “a primeira candidatura a assumir compromissos com a igreja evangélica”.
Quais seriam esses compromissos?
Com a palavra, Wagner: “garantir o culto e espaços de cultos”, “acesso dos irmãos que pregam em lugares públicos” e “igreja aberta em qualquer circunstância”. Pegando carona em direitos constitucionais, requenta a mesma ideia de 2020: “devolver Fortaleza aos cristãos”.
No mesmo dia, postagem abraçando eleitores com a trilha sonora gospel – “bençãos que não têm fim”. À noite, visita a um culto com direito a muitos stories.
Nos dias seguintes, a ênfase no “não basta ser de direita, tem de ser um homem direito” e muitos desejos de “bençãos” a quem lhe acompanha.
Edilene Santos, sua vice, também tem direcionado “promessas” ao “povo evangélico”, que é o “seu povo”. Na mesma postagem feita por Wagner no domingo, a legenda em suas redes diz: “nosso compromisso é firme em defesa da liberdade e dos valores cristãos. Vamos lutar por políticas que protejam a igreja evangélica, garantindo o direito de todos expressarem sua fé com respeito e dignidade. Juntos, vamos fortalecer a nossa nação com os princípios que nos unem”.
Como se vê, há um imaginário de uma necessária proteção a algo que estaria sob ataque.
No domingo, seu esposo falava, em vídeo publicizada nas redes, “da alegria” de ter seus filhos “criados no Evangelho” e, por isso não os vê em “vídeos que tragam vergonha para a igreja”. Era um claro recado a André e seus vídeos “de adolescente”.
Na noite desta quarta, a vice se apresentou ao eleitor: “serva do deus altíssimo”, convertida “aos doze anos”, “cristã da Assembleia de Deus”, “acredito na oração”; tudo isso “a motivou” à escolha pela política.
Esperemos os próximos dias. Com a divulgação de novas pesquisas, as estratégias tendem a se radicalizar ou a serem trocadas. Wagner aposta no confronto direto com André, de cujo eleitorado depende e extrai as pautas, tidas como “conservadoras nos costumes e liberais na economia”.
A gramática religiosa é sua aposta da semana. Ela exigirá, contudo, que desloque sua crítica, também, aos outros adversários.
O problema é que, de um lado, temos Sarto, sem nada que desagrade aos evangélicos, que ganharam até secretaria de governo e um dia no réveillon; do outro, um Evandro, político conservador sem história pregressa de enfrentamento religioso.
Emanuel Freitas da Silva é articulista do Focus Poder, professor adjunto de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).