Tenho lido muito sobre a necessidade de acabar com a polarização política, pois as pessoas dizem que não aguentam mais. Contudo, a verdade é que, desde que o mundo é mundo, há polarização de opiniões. Divergências sempre existiram e devem existir. A história está aí para provar a importância de partidos com ideais claros: os quais defendem e os quais combatem.
Dito isto:
Estamos presenciando um fenômeno interessante. De um lado, a dificuldade da esquerda em se comunicar com o povo; de outro, a fluidez e a habilidade atual da direita em adaptar seu discurso às massas, quase como uma vaselina política que se espalha facilmente.
Me lembrei de Hannah Arendt, em A Origem do Totalitarismo (1951), que alerta para o perigo das massas desiludidas e alienadas. Quando as pessoas sentem que instituições políticas ou econômicas não respondem às suas necessidades, tornam-se vulneráveis a discursos autoritários e simplificados. Bem atual, não? Esse ambiente descrito tem sido explorado pela direita e pelo conservadorismo contemporâneo, que oferecem narrativas diretas, emocionais e muitas vezes maniqueístas, capturando a atenção de uma população que busca explicações claras e segurança em tempos de incerteza.
Também me lembrei de Erich Fromm, em Medo à Liberdade (1941), que argumenta que a liberdade pode ser tanto libertadora quanto assustadora. As promessas da esquerda — justiça social, igualdade e emancipação — frequentemente implicam complexidade, responsabilidade e mudanças estruturais. Isso pode gerar ansiedade em populações já inseguras, principalmente quando o governo falha em transformar essas promessas em realidade. Por outro lado, a direita frequentemente apela para a “falsa segurança” do passado, reforçando identidades tradicionais e rejeitando mudanças percebidas como ameaçadoras.
Outro ponto relevante é a elitização do conhecimento. Muitos intelectuais e lideranças da esquerda frequentemente comunicam ideias de forma tecnocrática ou abstrata, distanciando-se da linguagem cotidiana da população. Isso não é apenas uma questão de estilo, mas de estratégia: ao falhar em traduzir ideias complexas em narrativas acessíveis, a esquerda deixa um vácuo que acaba sendo preenchido por discursos simplistas, mesmo que carregados de desinformação.
O populismo de direita, por outro lado, domina a arte de simplificar, mesmo que isso custe a precisão. Sua força está na capacidade de falar diretamente às emoções — medo, raiva, orgulho nacional — e usar uma retórica de “nós contra eles” que é fácil de compreender e replicar. É difícil não sentir saudades da aplicabilidade simples e direta da obra de Paulo Freire. Em Pedagogia do Oprimido, ele nos lembra que a verdadeira comunicação deve partir do contexto e da experiência das pessoas, em vez de impor ideias de cima para baixo.
Aqui entra a reflexão de Viviane Mosé, em Carisma e Poder: o carisma de líderes políticos é uma ferramenta poderosa na comunicação, mas também pode ser perigoso. Tanto na direita quanto na esquerda, figuras carismáticas tendem a encarnar desejos e medos coletivos, simplificando problemas complexos para atrair apoio. A direita tem usado esse carisma para centralizar poder e apelar às emoções mais viscerais, criando frequentemente uma dependência simbólica em torno do líder. O desafio da esquerda, como Mosé observa, é equilibrar o carisma necessário para inspirar com a construção de um projeto coletivo, que valorize mais o grupo do que a figura de um líder específico.
O crescimento do conservadorismo também está enraizado em uma combinação de fatores: a crise econômica global, que amplia desigualdades; a desconfiança nas instituições tradicionais, como governos e mídia; e a ascensão de tecnologias que fragmentam o debate público e promovem a polarização. Esses fatores criam um terreno fértil para discursos que oferecem certezas e inimigos claros, mesmo que simplifiquem questões complexas.
Um problema da esquerda?
Em muitos casos, a esquerda falha em equilibrar a profundidade do pensamento com a simplicidade necessária para engajar amplas audiências. Além disso, divisões internas sobre prioridades e estratégias enfraquecem sua capacidade de oferecer uma visão clara e unificada.
A esquerda precisa se reinventar como uma força que não apenas pensa, mas sente e conecta. Resgatar a simplicidade e a empatia, sem renunciar à profundidade, pode ser o caminho para superar o atual descompasso. Como Arendt, Fromm e Mosé sugerem, o combate ao autoritarismo, ao medo e à dependência carismática só será eficaz se a comunicação se tornar um ato de encontro genuíno, que valorize tanto a liberdade quanto a dignidade das pessoas. E isso só acontecerá quando os fatos sobrepuserem os ditos.
Aline Lima é psicóloga, pós-graduada em Psicopedagogia e Psicopatologia, com formação em coaching executivo. Especialista em Gestão de Negócios e Programa CEO e Programa COO pela FGV. É CEO (Libercard), liderando desenvolvimento de produtos, equipes e relações institucionais.