Entenda o caso– Uma mulher desenvolveu uma doença dermatológica rara e incapacitante após participar de um estudo clínico com anticoncepcional experimental. O Tribunal de Justiça de Goiás reconheceu o nexo causal entre o uso do medicamento e a enfermidade, condenando o laboratório ao pagamento de R$ 300 mil em indenizações e pensão vitalícia. O STJ confirmou a decisão, reforçando a responsabilidade objetiva do patrocinador por danos decorrentes da pesquisa e a obrigatoriedade de custear integralmente o tratamento da voluntária.
📌 STJ consoidla jurisprudência sobre responsabilidade objetiva em estudos clínicos – A Terceira Turma do STJ confirmou a condenação de um laboratório ao pagamento de R$ 300 mil a uma participante de estudo clínico. A decisão reforça a responsabilidade objetiva do patrocinador quando há danos decorrentes da participação em pesquisa com seres humanos, mesmo diante de prova pericial inconclusiva sobre o nexo causal.
📌 Evento adverso raro após uso de contraceptivo experimental – A voluntária desenvolveu uma doença dermatológica rara e incapacitante dez dias após a segunda administração de uma formulação com drospirenona + etinilestradiol. O medicamento era parte de um ensaio de biodisponibilidade com fins comerciais — típico de estudos de fase I ou bioequivalência — e visava a entrada de um produto similar no mercado.
📌 TJGO reconheceu nexo causal com base em conjunto probatório- Embora a perícia técnica não tenha estabelecido o nexo causal com certeza, o TJGO reconheceu que outros elementos probatórios — como prontuários, laudos médicos e a linha temporal dos sintomas — sustentavam a responsabilização do laboratório. Assim, fixou indenização por danos morais, estéticos e psicológicos, além de pensão vitalícia em razão da incapacidade laboral.
📌 STJ: ônus da prova não pode ser usado para excluir direitos fundamentais – A ministra Nancy Andrighi observou que o risco processual de uma perícia inconclusiva deve recair sobre a parte que detém maior controle sobre a produção de provas técnicas — no caso, o patrocinador da pesquisa. Citou o princípio da proteção da parte hipossuficiente e a dimensão objetiva do ônus da prova, nos moldes do art. 373 do CPC.
📌 Aplicação direta das normas da Anvisa e do Conselho Nacional de Saúde – A decisão fundamentou-se também na RDC 9/2015 da Anvisa, que impõe ao patrocinador o dever de cobrir todos os custos relacionados a eventos adversos. Complementarmente, a Resolução CNS 466/2012 impõe assistência integral e o direito à indenização pelos danos decorrentes da pesquisa, vinculando instituições, pesquisadores e patrocinadores.
📌 Reconhecimento da pensão vitalícia como medida de reparação integral – O STJ entendeu que a pensão mensal de cinco salários mínimos é proporcional à perda da capacidade laboral e aos custos permanentes com tratamento médico. A Corte reafirmou que, nos casos de incapacidade definitiva, não se aplica o limitador etário da expectativa de vida, pois a reparação deve ser integral, nos termos da jurisprudência dominante.
🔬 Tópico especial | Estudos clínicos no Brasil: responsabilidade, regulação e jurisprudência emergente
📌 Estrutura legal: o Brasil adota regime de responsabilidade objetiva em pesquisa com seres humanos – O arcabouço jurídico brasileiro atribui responsabilidade objetiva e solidária aos patrocinadores, instituições e pesquisadores envolvidos em estudos clínicos. A Resolução CNS 466/2012 e a RDC 9/2015 da Anvisa compõem um marco regulatório robusto, fundado na bioética, nos direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana.
📌 Estudo clínico ≠ contrato de risco: voluntário não assume responsabilidade por danos – Ao contrário do que se vê em contratos comerciais, o participante não pode ser tratado como co-responsável pelos riscos da pesquisa. A jurisprudência brasileira vem reforçando que, em se tratando de pesquisas clínicas, prevalece o princípio da precaução e da proteção integral — o voluntário é sujeito de direito, não parte de um experimento de risco compartilhado.
📌 Nexo causal em eventos adversos: o tempo e a estrutura probatória favorecem o voluntário – Mesmo quando o nexo causal não pode ser cientificamente comprovado, a combinação de elementos clínicos, temporais e documentais pode ser suficiente para a responsabilização, especialmente quando a prova pericial é inconclusiva por falha metodológica ou ausência de controle adequado do patrocinador.
📌 O dever de custeio não se limita ao período da pesquisa – A jurisprudência confirma que o dever de assistência e reparação se estende para além da vigência formal da pesquisa, contemplando tratamentos contínuos, reabilitação e pensão em casos de sequela. Isso decorre da natureza irreversível de muitos eventos adversos e da obrigação ética de não abandonar o voluntário após a coleta de dados.
📌 A judicialização como mecanismo de efetivação de direitos – Casos como o julgado pelo STJ demonstram que, apesar da legislação clara, a efetivação dos direitos dos voluntários muitas vezes depende da atuação judicial. A judicialização se torna, portanto, um instrumento de controle e correção de assimetrias no campo da pesquisa clínica, em especial contra a atuação de grandes laboratórios farmacêuticos.