Dois corpos distintos: o do papa e o do “rei”; Por Emanuel Freitas

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A imagem em IA retrata a construção simbólica do “corpo ferido” como instrumento político, evocando o calvário de Cristo para reforçar o carisma messiânico. A cena transforma a dor física em capital afetivo diante do público devoto.

Na última terça-feira (15/04) vieram a público imagens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que recupera-se de demorada e delicada cirurgia.

As imagens auxiliam no repisar da crença no corpo místico do “rei”, corpo “ferido“, em “nome da pátria“. E isso exatamente na semana santa, tão cara a cristãos, base político-religiosa de importância fundamental para a manutenção do capital político de Bolsonaro.

Torço por sua pronta recuperação!

Captadas durante sua saída da sala de recuperação do Hospital DF Star, em Brasília, as imagens compartilhadas nos mostram um contraste: enquanto o ex-presidente exibe um tom facial e corporal de quem, de fato, saía de uma delicada cirurgia, esboçando cansaço, dor e convalescência, os que estavam a seu lado (com destaque para sua esposa) esboçavam um leve, quando não largo, sorriso no rosto.

Talvez o sorriso dissesse respeito a um “vencemos mais uma cirurgia“, “eles sairá dessa“, “força, Jair” ou coisa do tipo.

Por certo, a presença de Bolsonaro naquele hospital convocaria, de ofício, a cobertura midiática; contudo, a exposição de seu “corpo ferido“, com diversos eletrodos e ponto para respiração, ajudado no caminhar por outras pessoas, dá mostras do quanto a gramática de exposição das redes formata a cena política.

Desde o ocorrido de emergência em Natal, quando precisou se internar, as redes de Bolsonaro contam 09 vídeos em que seu “corpo ferido” é exposto. No segundo deles, na saída do hospital em Natal, o conjunto de apoiadores que o esperavam para o ato que seria realizado na cidade, o aguardava com um “volta, Bolsonaro!“.

Numa das postagens, em que relata-se o estado necessário de saúde, o texto refere-se, como em todas as vezes em que sua saúde esteve em questão, à “facada sofrida por um antigo integrante do PSOL, aliado histórico do PT“. Mesmo com as investigações da Polícia Federal, aquela mesma que ele e seus apoiadores sempre veneraram, não apontando nenhuma relação do PSOL ou PT com o episódio de Juiz de Fora, faz-se questão de repetir a frase, para criar um mantra, repetição que produz a crença mítica no suposto fato. É o terreno da “narrativa”, que mantém aceso o ódio ao inimigo, como a dizer: “não esqueçam que isso é consequência da ação do Adélio, que foi mandando por …”. 

No último dos vídeos publicizados, na noite de ontem, Bolsonaro aparece ao lado de um auxiliar de enfermagem identificado como de “Mata Roma, Maranhão“, que chama Bolsonaro de “presidente” e por meio do qual o EX-presidente manda um abraço para o “todo o meu Nordeste“.

A gramática mitológica se encerra com um “você não existe, presidente“. Sim, convalescido, cirurgiado, ferido, o rei encontra espaço para “agradecer“. Mitologia, carisma, política de afetos. A (extrema-)direita sabe fazer política na era das comunicações, e isso exige comunicar o “corpo ferido do rei“. Na semana santa, um outro “Cristo” diante de nós (?!).

Bem distinta foi a lógica que se seguiu durante a longa internação do Papa Francisco, há poucas semanas. O corpo do pontífice, que é “Cristo na terra” para os católicos ( a “suma ponte” entre Deus e os homens), não foi exposto em praça pública para que se vissem seu estado debilitado. Quando aparecer, Francisco estava com as vestes papais, como a dizer que o “seu corpo“, o de “Francisco“, não importava de ser visto; a não ser o corpo “papal“, que não é o corpo de “Francisco”, mas o “corpo místico de Cristo“, daí estar envolto em vestes brancas.

Não há política sem imagem (sabemos disso desde Maquiavel), e tal imagem é, antes de tudo, a imagem do corpo. Há farta literatura de análise política sobre o tema. Sugiro ao leitor três leitura: A Fabricação do Rei, de Peter Burke; Os dois corpos do Rei, de Ernst Kantorowicz; e os textos publicados pela antropóloga Leticia Cesarino, que faz leituras interessantisímas sobre os usos do corpo pelos populismos contemporâneos (encontram-se facilmente no buscador da net).

Semana Santa é tempo litúrgico da meditação religiosa do corpo ferido de Cristo. Pode ser também de usos políticos de feridas abertas em corpos humanos. E pode ser também, desejo eu, tempo de leitura sobre o assunto.

Pronta recuperação, Jair Bolsonaro!

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