Quando Thael achou que enfim se conhecia, algo inesperado aconteceu: o espelho rachou. Não com um estrondo, mas com um leve estalo, quase imperceptível. Era como se a imagem que via todos os dias decidisse revelar um contorno que antes ignorava. Não era o rosto, nem o tempo marcado na pele. Era o que estava por trás do olhar. Ali onde moram os desejos sem nome, as tristezas herdadas e os silêncios que ninguém vê.
Thael, até então, sentia-se senhor de si. Conhecia seus hábitos, seus vícios, sua forma de reagir às coisas. Mas bastou um gesto impensado, uma palavra que escapou sem controle, um sonho insistente, e ele percebeu: havia nele algo que ainda não compreendia. Um quarto trancado por dentro. Uma voz que falava baixo, pedindo para ser ouvida.
Quando Thael acreditou conhecer bem o outro, um amigo, um irmão, um velho companheiro de jornada, caiu numa armadilha mais sutil. Viu no outro o que queria ver. Vestiu-o com suas ideias, suas certezas, suas projeções. Julgou compreendê-lo por já tê-lo escutado tanto. Mas ignorou o que o outro calava. E o que se cala, quase sempre, é o que mais revela.
O que Thael aprendeu, enfim, é que conhecer é um verbo em movimento. Não se encerra, não se conclui. Ele entendeu que as pessoas mudam, mesmo quando parecem iguais. E que ele mesmo, por mais que se olhasse com cuidado, ainda carregava regiões inteiras de si que nunca havia visitado.
Conclusão ? Thael parou de buscar rótulos e passou a ouvir com mais humildade. Entendeu que ninguém cabe inteiro numa certeza. Nem ele, nem o outro. Porque somos feitos de rios subterrâneos, de marés que oscilam, de mistérios que às vezes nem a vida inteira dá conta de decifrar.
E assim, aprendeu a se olhar com menos orgulho e mais ternura. Aprendeu também a olhar os outros como quem escuta uma canção inédita: sem saber onde vai dar, mas disposto a sentir, mesmo sem entender.
