
O Brasil tem uma produção científica respeitável e reconhecida internacionalmente. Nossas pesquisadoras e nossos pesquisadores estão entre os que mais publicam artigos na área de saúde pública, desenvolvem soluções inovadoras para a agricultura tropical e produzem conhecimento valioso sobre biodiversidade e mudanças climáticas. Mas há um ponto que ainda nos desafia: como transformar ciência em políticas públicas que melhorem a vida das pessoas?
Temos bons exemplos, como o Programa Nacional de Imunizações, criado em 1973, que só alcançou o sucesso que conhecemos porque foi sustentado por evidências científicas e assim, o Brasil eliminou doenças como a poliomielite e se tornou referência mundial em vacinação. Outro caso é o Sistema Único de Saúde (SUS), cuja estrutura foi desenhada a partir de pesquisas em saúde coletiva, garantindo acesso universal mesmo em um país de dimensões continentais.
Na agricultura, a Embrapa transformou a realidade do cerrado, antes considerado improdutivo, em uma das regiões agrícolas mais férteis do mundo. Isso só foi possível porque políticas públicas se apoiaram em pesquisas sobre solo, sementes e técnicas de manejo específicas para o clima brasileiro.
No entanto, também colecionamos fracassos quando a ciência é ignorada. Durante a pandemia de Covid-19, demoramos a adotar medidas baseadas em evidências, enquanto a desinformação ganhou espaço. O atraso em incorporar recomendações científicas custou vidas e expôs a fragilidade do diálogo entre academia e gestão pública. Na área ambiental, estudos sobre desmatamento e mudanças climáticas alertam há anos para riscos graves, mas ainda enfrentam resistência na formulação de políticas de conservação.
O problema não é falta de ciência, mas falta de tradução. Muitas vezes, o conhecimento fica restrito a artigos técnicos, enquanto as equipes gestoras precisam tomar decisões rápidas e acessíveis. Criar instituições intermediárias que conectem a pesquisa e os governos, fortalecer a formação de profissionais da gestão capazes de interpretar dados e incentivar que cientistas comuniquem suas descobertas em linguagem clara são passos fundamentais.
Em um país de desigualdades profundas, usar ciência para guiar políticas públicas não é apenas eficiência: é justiça social. Cada real investido em pesquisa aplicada à saúde, educação ou meio ambiente retorna em qualidade de vida, desenvolvimento sustentável e prevenção de crises.
A ciência brasileira já mostrou sua força. Falta garantir que o conhecimento produzido nos laboratórios e universidades se transforme em ação concreta. Sem essa integração, corremos o risco de desperdiçar soluções valiosas. Com ela, podemos construir um futuro mais justo, sustentável e inteligente.
Adriana Rolim é farmacêutica, doutora em Farmacologia. Docente e Pesquisadora da Universidade de Fortaleza. Foto: Divulgação