O acordo traz, com as parcas esperanças de uma paz duradoura, a marca de um adiamento renovado.
Do ponto de vista militar, o Hamas alcançou o que pretendia. A troca de pouco mais de cem judeus sequestrados e de cerca de duzentos desaparecidos por dois mil guerrilheiros, espiões e terroristas presos em Israel, cumprindo penas severas, não parece um bom negócio. A cena lembra uma querela infindável entre mercadores de camelos, cada qual tentando arrancar vantagem do outro.
Não fosse o lado humanitário que move Israel a aceitar condições claramente desfavoráveis, a celebração do “Acordo” equivaleria a uma rendição branca, em nome de um Estado palestino sob dominação do Hamas.
A Palestina, como território e nação, seria uma solução desejável na configuração de um Estado soberano em meio a vizinhanças guerreiras — seria, não fosse a consciência consolidada em dois milênios de contraposição de direitos e da expectativa de impor aos infiéis o próprio Deus.
Por trás dessa encenação oportunista de Trump aflora o ódio ancestral entre árabes e judeus, muçulmanos e cristãos, islamitas e judeus — e a busca de reconhecimento mundial pelo gesto largo que poderia lhe render o Nobel da Paz.
Velhas e irreconciliáveis pendências de fé dividem e armam esses “levantinos”, semitas por base étnica, filhos de uma mesma família mergulhada numa guerra santa interminável pela afirmação do privilégio de ser o “povo eleito”.
Árabes descendem de Ismael; judeus, de Isaac — ambos filhos de Abraão. Enfrentam-se há dois mil anos pelas areias do Oriente Médio, nutrindo ideais de uma luta que, segundo antiga crença, levará os litigantes ao Reino dos Céus.
Monoteístas, árabes e judeus disputam a primazia de seguir o Deus “verdadeiro”, o que os torna fiéis a suas crenças e ao monopólio da Verdade no terreno incerto da divindade que veneram.
A conciliação entre parentes brigados é gesto improvável — vemos isso no cotidiano. Primos disputam a posse do Céu desde que se formou a autoridade dos patriarcas, ao longo de tantas vicissitudes.
Os embarcadiços de Greta e Luizianne são, estes sim, beneficiários dessa campanha náutica memorável pelo Mar Morto. Nem Ulisses faria melhor, amarrado ao mastro de sua galeota, imune ao canto sedutor das sereias.
