
Em política, o aliado de hoje pode ser o adversário de amanhã, e o inimigo de ontem pode se tornar o novo parceiro. Para o cidadão comum, essa volatilidade é sinônimo de traição, incoerência ou conveniência. Mas para quem compreende as engrenagens do poder, ela é o reflexo inevitável da natureza humana em movimento. Raymond Aron, o intelectual francês que analisou a moral da política com lucidez rara, dizia que o poder não se sustenta apenas em ideias, mas em circunstâncias. A coerência, nesse campo, é quase sempre uma questão de tempo.
O que Aron revelou, e que muitos preferem não enxergar, é que a política não se move pela pureza dos princípios, e sim pela necessidade de preservação e influência. O ideal e o real raramente caminham juntos. As alianças se formam menos por afinidade e mais por conveniência estratégica. É o jogo de forças que define as posições, e não o contrário. O que para o povo parece contradição, para o político é sobrevivência.
Essa lógica, embora pragmática, traz consigo um dilema moral profundo. O político, ao buscar o bem possível, corre o risco de perder de vista o bem verdadeiro. A flexibilidade que o mantém no poder é a mesma que o afasta da virtude. Aron chamava essa fronteira de “ética da responsabilidade”, em oposição à “ética da convicção”. Governar exige decidir não entre o bem e o mal, mas entre o mau e o menos mau. E nessa escolha, o poder revela sua face ambígua: é instrumento de construção, mas também de corrupção.
Os valores e contra-valores convivem no mesmo espaço. A lealdade política é muitas vezes apenas uma pausa entre duas conveniências. A fidelidade aos princípios cede lugar à fidelidade aos resultados. A política, que deveria ser arte de servir, torna-se arte de permanecer.
O cidadão comum observa, perplexo, as reviravoltas e alianças improváveis, sem perceber que o tabuleiro não se move pela moral, mas pela necessidade. O que para ele é incoerência, para o político é cálculo. E o que para o político é tática, para o povo é decepção.
No fim, a política continua sendo o espelho das nossas contradições. Onde há valores, surgem contra-valores. Onde há poder, há também a sombra que o sustenta. E talvez o maior desafio do homem público seja este: permanecer ético num mundo onde a ética se tornou apenas mais uma estratégia de poder.







