
Fundamentos da decisão
No REsp 2.204.902/RJ, a Terceira Turma do STJ decidiu, por unanimidade, que o plano de saúde deve custear a fórmula à base de aminoácidos (Neocate) para criança com alergia à proteína do leite de vaca (APLV), mesmo fora do rol da ANS.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que “a fórmula à base de aminoácidos constitui tecnologia em saúde reconhecida pela Conitec como diretriz terapêutica para crianças de zero a 24 meses diagnosticadas com APLV”.
A ministra destacou ainda que, embora registrada como alimento infantil na Anvisa, a fórmula foi incorporada ao SUS pela Portaria 67/2018 como tecnologia em saúde voltada ao tratamento de crianças com APLV, afastando a tese de que se trataria apenas de substituição alimentar.
Entendimento do STJ sobre rol da ANS e Conitec
A relatora lembrou que o artigo 10, §10, da Lei 9.656/1998 determina que “tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Conitec” devem ser incluídas no rol da ANS em até 60 dias após a decisão de incorporação ao SUS. Ou seja, uma vez reconhecida pela Conitec e incorporada ao SUS, a tecnologia passa a ter forte presunção de obrigatoriedade também na saúde suplementar.
Nesse contexto, o STJ concluiu que a ausência da fórmula no rol da ANS não afasta o dever de cobertura, justamente porque já houve recomendação técnica da Conitec e incorporação pelo SUS desde 2018. A ministra sintetiza esse raciocínio ao afirmar que, apesar da ausência no rol, deve ser mantida “a obrigação de cobertura da fórmula à base de aminoácidos – Neocate –, observada a limitação do tratamento até os dois anos de idade”.
Rejeição da tese de caráter “social” do pedido
A operadora alegou que a fórmula seria um alimento de uso domiciliar, de caráter social, e não medicamento ou tratamento médico. O STJ rejeitou essa argumentação. Nancy Andrighi pontuou que “a dieta com fórmula à base de aminoácidos, no particular, é, muito antes de uma necessidade puramente alimentar, a prescrição de tratamento da doença”. Em outras palavras, não se trata de mera escolha nutricional, mas de intervenção terapêutica essencial para evitar complicações clínicas graves.
Danos morais pela negativa indevida
Além de obrigar o custeio contínuo do produto conforme prescrição médica, o STJ manteve a condenação em danos morais, por entender que a negativa, em cenário de criança pequena e doença grave, representa falha relevante na prestação do serviço. A recusa injustificada em custear tecnologia reconhecida pelos órgãos técnicos agrava a vulnerabilidade da família e coloca em risco a saúde e o desenvolvimento da criança.
Por que isso importa
A decisão consolida três pontos estratégicos para o contencioso em saúde suplementar:
– Fortalece o papel técnico da Conitec como ponte entre SUS e planos de saúde: aquilo que é reconhecido como tecnologia em saúde e incorporado ao SUS ganha peso normativo também na saúde suplementar.
– Limita o uso do rol da ANS como escudo para negar tratamentos: o rol deixa de ser visto como lista exaustiva quando há tecnologia recomendada pela Conitec e já incorporada ao SUS.
– Protege crianças em fase crítica de desenvolvimento: a fórmula não é luxo nem simples alimento; é tratamento indispensável para evitar desnutrição, internações e complicações decorrentes da APLV.
Para famílias, o precedente oferece argumento robusto para exigir judicialmente a cobertura da fórmula Neocate em casos semelhantes, especialmente quando houver prescrição médica e enquadramento nos critérios de APLV em crianças de até dois anos. Para operadores do Direito e profissionais de saúde, o julgado reforça a necessidade de articular prova técnica (laudos, diretrizes, decisões da Conitec) com o marco normativo da Lei 9.656/1998 e das resoluções da ANS.







