
Um dos dois únicos órgãos federais sediados no Ceará, ao lado do BNB, o centenário Dnocs está hoje distante de sua razão de existir. Criado em 1909 para enfrentar a seca no semiárido, o Departamento virou refém de emendas parlamentares e, na prática, um “asfaltador de vias” no interior do Nordeste. Focus baseou esse texto em reportagem do UOL, assinada por Carlos Madeiro.
O que a auditoria da CGU revela
O diagnóstico é devastador. Entre 2021 e 2023, dos R$ 1,85 bilhão contratados pelo Dnocs:
• 40,4% (R$ 748,8 milhões) foram para pavimentação
• 34,2% (R$ 633,9 milhões) para atividade-fim (barragens, adutoras, poços etc.)
• 19,1% (R$ 355,3 milhões) para máquinas e equipamentos
• 6,3% (R$ 116,1 milhões) para custos administrativos
Ou seja: mais dinheiro para asfalto e tratores do que para água.
Desvio de missão
A CGU e o TCU são categóricos: o órgão não tem capacidade técnica para tocar e fiscalizar obras de pavimentação. A corte de contas classificou o desvio como “irregularidade grave” e recomendou paralisação.
Mesmo assim, o Dnocs se tornou vitrine política de parlamentares. A página oficial do órgão está tomada por anúncios de pavimentação —obra fora do escopo, de qualidade contestada e alvo de investigações.
Investigação e suspeitas
A Operação Overclean (2024) e uma nova ação deflagrada na última sexta-feira apuram:
• superfaturamento,
• execução parcial ou inexistente de serviços,
• medições fraudulentas,
• favorecimento a empresas,
• e prejuízo estimado em R$ 22 milhões.
O papel das emendas
A captura do Dnocs pelas emendas é recente e coincide com o crescimento explosivo dessas verbas no orçamento federal.
Até 2019, não existia uma única obra de pavimentação financiada pelo órgão.
A partir de 2020, com o avanço das emendas —inclusive as de relator, do chamado orçamento secreto— o volume contratado saltou 253% em 2023.
Segundo a CGU, o Dnocs virou executor automático: recebe o ofício do parlamentar e apenas cumpre, sem critérios técnicos nem capacidade instalada.
Sem gente, sem técnica, sem rumo
O colapso interno é agravado pelo esvaziamento do quadro de servidores, que já não comporta nem as atividades originais, quanto mais uma enxurrada de obras estranhas à missão institucional.
Em síntese
O Dnocs, um dos símbolos da presença histórica da União no Nordeste, foi engolido pelos interesses políticos de curto prazo.
Virou moeda eleitoral, perdeu foco, perdeu quadros, e hoje oferece menos água e mais asfalto, exatamente o oposto do que o sertão precisa.






