
“O homem, em sua crueldade, inventou o inferno.” — Nietzsche
Amstetten, Áustria. Na superfície, uma casa comum. No subsolo, um inferno cuidadosamente arquitetado. Josef Fritzl manteve sua própria filha, Elisabeth, em cativeiro por vinte e quatro anos, violentando-a repetidamente. Sete filhos nasceram nesse porão sufocante. Um deles, Michael, morreu poucas horas após o parto, asfixiado pela negligência de quem o gerou. Este martírio teve início em agosto de 1984.
Rosemarie Fritzl — esposa de Josef e mãe de Elisabeth — sabia. As imagens do cativeiro não deixam margem para dúvida: camas, armários, brinquedos, roupas infantis, utensílios de cozinha, estoque de alimentos. Nada disso entrou ali por acaso. Tudo foi comprado, carregado e colocado no local sob o mesmo teto em que ela vivia.
É impossível não notar sete nascimentos, não ouvir choros abafados, não estranhar o fluxo constante de mantimentos e objetos para um espaço “proibido”. Mesmo assim, durante mais de duas décadas, sustentou a mentira de que a filha havia fugido para uma seita e “largava” crianças na porta de casa como se fossem pacotes. Sete crianças, sete silêncios — cada um deles um pacto com a mentira.
O silêncio de Rosemarie não foi ignorância: foi cumplicidade. E essa cumplicidade foi a chave oculta que manteve o porão fechado. Quando a verdade emergiu, ela teve a audácia de voltar ao cativeiro para “pegar objetos da filha”. Objetos? Depois de vinte e quatro anos de abuso e privação, não há lembranças a preservar — apenas provas do crime que ela ajudou a encobrir.
Essa visita não foi gesto de amor, mas o último ato de uma presença que, por décadas, esteve perto o bastante para salvar sua filha e escolheu nada fazer. Cioran disse: “O cúmplice é apenas um criminoso que se calou.” A Bíblia vai além: “O que semeia o mal, colhe a desgraça; e o castigo que suas mãos fizeram se cumprirá” (Provérbios 22:8). O mal não precisa de muitos para prosperar — basta um que o pratique e outro que o tolere.
Josef Fritzl foi condenado à prisão perpétua em março de 2009 e se declarou culpado de todas as acusações — talvez para impedir que a cumplicidade da esposa fosse exposta em tribunal. Agora, está sendo alimentado, medicado e protegido pelo Estado até o último dia. Um luxo que suas vítimas jamais terão. Uma simples injeção poderia ter fechado o capítulo — e poupado o contribuinte austríaco de sustentar um verme.
No caso Fritzl, a violência foi a semente e o silêncio, o adubo. E, se a justiça humana não alcança todos os culpados, a justiça da história não perdoa — ela grava para sempre o nome de quem se acovardou. E em Amstetten, a chave oculta que manteve o inferno fechado tinha um nome: Rosemarie Fritzl.








