A “cultura do cancelamento” e o direito à opinião, por Frederico Cortez

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Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial. Cofundador do Instituto Cearense de Proteção de Dados- ICPD-Protec Data. Consultor jurídico no portal Focus.jor desde 2017. Escreve aos fins de semana.

Por Frederico Cortez
cortez@focuspoder.com.br

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 dá amparo legal para a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato. O direito de opinião é resguardo não para um só lado, seja maioria ou minoria. Ambos têm o livre exercício em praticá-lo, desde que respeitado o devido espaço do outro. Atualmente, o mundo real ou virtual está direcionado para a “cultura do cancelamento”.

Em pesquisa na rede mundial de computadores, o conceito de “cultura do cancelamento” está afeito a “uma iniciativa de conscientização e interrupção do apoio a um artista, político, empresa, produto ou personalidade pública devido à demonstração de algum tipo de postura considerada inaceitável”. No entanto, essa manifestação está sendo usada de forma deturpada como munição para o que chamo de algo intempestivo, qual seja: o fim do direito à opinião.

Ter opinião é parte de um direito individual intangível do cidadão, onde a própria Constituição Federal de 1988 dar o garantismo desse espaço, tão sagrado e necessário para a construção e fortalecimento da democracia. A opinião é antes de tudo uma expressão subjetiva de uma pessoa sobre algo, simples assim! Gostar ou não gostar é inerente da pessoa, o que em muito se diferencia de adotar práticas discriminatórias. Não há lei nenhuma vigente no País que me obrigue a aceitar isso ou aquilo em termos de convívio social, porém não tenho o direito de ofender ou de impedir que outra pessoa venha a se manifestar ou agir contrariamente ao meu pensamento. Isto é democracia!

A lei vem para a sociedade como uma ferramenta para estabelecer condutas de convivência e não para ser o bastião da veracidade e/ou autenticidade. Esse novo movimento exsurge em reação a uma séria de fatos lamentáveis que já vem acontecendo ao longo do tempo, e que nos últimos meses tomou uma proporção mundial. O que já digo atrasado, diante de tantas ações repugnantes nas últimas décadas.

Questões atentatórias que tenham por objeto o racismo, homofobia, preconceito ao nordestino, ao índio, ou qualquer que seja a nação que o indivíduo pertencer devem ser reprimidas e punidas em seu mais alto grau. Todavia, adotar medidas sancionatórias açodadas contra a pessoa por expressar o seu posicionamento de uma forma não prejudicial ao outro, nada mais é do que impor a censura.

A verdade é que, a “cultura do cancelamento” já está sendo usada para fins de cisão social, o que já adianto ser temoroso e inaceitável. A etnia, a localidade de origem ou qualquer outro marcador de ponto discriminatório em nada deve ser potencializado para majorar a tão famigerada expressão do “nós contra eles”. Viver em sociedade é saber lidar com as diferenças, onde todos lutam para terem o mesmo tratamento. Certo que há muita coisa a se ajustar ainda, fato!

Voltando a Magna Carta de 1988, em seu preâmbulo resta insculpido que “…o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias...”. Conflitos e questionamento nunca vão acabar e são necessários para o engrandecimento da sociedade. O que não há espaço é para a projeção de um fato passado para dentro de uma criação num contexto separatista atual.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”, disse Nelson Rolihlahla Mandela, advogado, líder rebelde e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado como o mais importante líder da África Negra, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993, e pai da moderna nação sul-africana, onde é normalmente referido como Madiba ou “Tata”.

A sociedade não é justa e dificilmente será, mas nem por isso devemos deixar de lutar por esse objetivo. Sucumbir à cultura do ódio, da discriminação e/ou da diminuição do próximo com base em ações do passado, como forma de pleitear determinado direito ou posição social é trilhar por um caminho tortuoso, com o potencial resultado negativo para todos.  Ubi homo, ibi societas, ubi societas, ibi jus, ergo, ubi homo, ibi jus (onde está o homem, há sociedade, onde há sociedade, está o Direito, logo, onde está o homem está o Direito).

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