Por Frederico Cortez
Um dos pontos altos de um sistema democrático e republicando é a liberdade de se expressar, sem o receio de sofrer alguma ameaça ou lesão a esse direito constitucional do cidadão. Esse garantismo ganha maior importância e contorno quando a Constituição Federal confere ao legislador o instituto da “imunidade parlamentar”. No entanto, tal ferramenta política protetiva não significa a instauração da impunidade na medida da fala por parte de quem representa o povo.
A Constituição Federal de 1988 elenca em seu artigo 53 que “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. A certeza é que essa proteção à fala do parlamentar é deferida quando no pleno exercício do seu mandato, estando dentro ou fora do recinto físico da casa legislativa a qual pertence.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a relativizar também os casos de invocação da imunidade parlamentar, dentro do próprio Congresso Nacional. Um dos episódios mais recentes, a Corte constitucional confirmou a condenação do presidente da República Jair Messias Bolsonaro na ação penal por incitação ao crime de estupro e injúria contra a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), determinando o pagamento de indenização no valor de R$ 10 mil e uma retratação pública. Com essa posição, o STF define o seu posicionamento contra o abuso do instituto da imunidade parlamentar mesmo no ambiente físico do Congresso Nacional. E aqui, compreendo como assertiva a decisão do STF.
Em outro julgado exemplificativo acerca da aplicação do instituto da imunidade parlamentar nas redes sociais, o ministro Celso de Melo do STF isentou de responsabilidade a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) quando publicou em seu Twitter que “black blocs pagos por partidos de esquerda”, em referência às manifestações ocorridas em 15 de maio de 2019. A ação foi protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e foi julgada inviável pelo membro da Corte constitucional, onde entendeu que “o exercício da atividade parlamentar não se exaure no âmbito espacial do Congresso Nacional” e acrescentou: “a prática de atos, pelo congressista, em função do seu mandato, ainda que territorialmente efetivada em âmbito extraparlamentar, está igualmente protegida pela garantia fundada na norma constitucional em questão“. Ao fim, o ministro do STF enfatizou que a imunidade protege as entrevistas jornalísticas, a transmissão para a imprensa do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas e as declarações veiculadas por intermédio de redes sociais.
De bom grado lembrar que a imunidade parlamentar tem sua origem na separação dos poderes, onde o membro do legislativo possui autonomia e altivez em sua fala para contestar e impugnar qualquer ato inerente ao exercício do seu mandato como representante eleito. Todavia, agora surge no ambiente virtual uma derivação para essa ferramenta da comunicação do legislador.
Nestas eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) imprimiu uma firme postura de inadmitir qualquer manifestação contrária ao seu entendimento, mesmo advindo de um deputado federal ou senador da República. Como resposta, a punição vem rápida como um cometa mediante a derrubada instantânea do seu perfil nas redes sociais. Lembremos que a resolução do TSE não abre espaço para o contraditório e ampla defesa, sequer na modalidade prévia ou a posteriori do ato acusado, direito esse mais do que sagrado por nossa Constituição Federal mesmo em processos administrativos.
Contestar ou indagar de forma democrática qualquer ato que seja não é ato criminoso e sim elemento essencial de uma democracia, posto que não há direito absoluto nem mesmo para quem tem a competência de julgar. Os excessos devem ser penalizados na exata medida do dano causado e na proporção estabelecida pela Lei (casa legislativa), mas que estando instalado o devido garantismo do exercício do contraditório e da ampla defesa ao acusado. Essa mesma Constituição Federal que instituiu a competência para cada um dos poderes da República é a mesma que determina a perda do mandato de deputado federal ou senador, para aquele que abusar das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional, conforme a redação do art. 55, II, §1º da Carta Magna.
O perfil de rede social é o canal direto de comunicação entre o parlamentar e seu público eleitor, não se admitindo que a Corte eleitoral aniquile esse caminho ao arrepio dos preceitos constitucionais. Causa mais estranheza ainda que, a competência para julgar ato de um congressista é da própria casa legislativa, concorrendo com o STF. Ao meu entender, a presente resolução do TSE fere de morte um dos maiores preceitos da nossa Constituição Federal de 1988, que é o respeito à liberdade de expressão em par com o pleno e efetivo exercício do direito de defesa.
Muito embora o tema das postagens ou publicações tenham liame com as eleições, avalio que a competência única e originária é do STF para decidir sobre cada caso fático, na temática da imunidade parlamentar mesmo no ambiente eleitoral virtual, por tratar-se de uma prerrogativa alinhada ao parlamentar. Como sabemos, o STF é o “guardião da Constituição Federal”, não podendo ser somente uma casa confirmadora de decisões do TSE em matéria de sua competência única e exclusiva.
Como dito no início, os excessos e abusos devem ser repreendidos na exata medida do dano causado, mas por quem tem competência constitucional para tal missão. Estando aqui neste artigo de opinião (liberdade de expressão) contestando de forma técnica-jurídica um posicionamento do respeitoso TSE, considero não infringir a sua legislação interna (leia-se: resolução), posto que estou exercendo o meu inabalável, inalienável e inarredável direito constitucional de me expressar. Portanto, não sendo um ato criminoso deste escritor!
O tolhimento da liberdade de expressão pela via de uma decisão absoluta e condenatória, que coloca à margem o constitucional direito do contraditório e da ampla defesa é pertencente tão somente ao sistema despótico. Ao longo de seus 34 anos de existência, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 tem como seu Norte a separação dos poderes como forma de equilibrar os pesos de cada decisão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Assim, o poder constituinte originário ao gestar a nossa única Constituição Federal foi sábio ao cravar textualmente e inequivocadamente que os poderes da União (Executivo, Legislativa e Judiciário) devem ser independentes e harmônicos entre si.
Parabéns à nossa Carta constitucional pelos seus 34 anos de defesa dos nossos direitos individuais e coletivos!