A Lei de Murphy no STF e o indulto presidencial de Bolsonaro, por Frederico Cortez

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Frederico Cortez é advogado, sócio fundador do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial. Consultor jurídico no Focus.jor desde 2017 e escreve a sua coluna de opinião jurídica aos fins de semana.

Por Frederico Cortez

O Supremo Tribunal Federal (STF) esticou a corda e se aproxima de uma fissura da Constituição Federal, de uma forma única e inédita desde a redemocratização do País. Toda a celeuma envolvendo as reprováveis falas, incitações e ameaças proferidas pelo então deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) não afasta e tampouco reduz a plenitude e soberania dos ditames entabulados na Carta Magna do Brasil. Assim, a Ação Penal nº 1044 encontrou sua ressonância final agora no Decreto de indulto do presidente Bolsonaro que concedeu os efeitos do perdão ao polêmico parlamentar.

Fato é que, nessa lamentável e desnecessária ciranda jurídica iniciada com base no Regimento Interno do STF (RISTF) e ao largo do Código de Processo Penal brasileiro e da CF/88, chega-se à conclusão de que a Lei de Murphy se materializou na Corte constitucional.  Conta-se que a criação deste enunciado foi do capitão da Força Aérea norte-americana, Edward Murphy. O mesmo também foi a primeira vítima do seu próprio postulado, que diz o seguinte: “Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível“.  Com a votação acachapante pelos membros do STF por 10 x 1 pela condenação dos atos de Daniel Silveira, com a pena imposta mediante a perda do mandato eletivo, mais prisão de 8 anos e 9 meses e multa no valor de R$ 200 mil, pensavam-se que essa novela tinha chegado ao seu fim. Mas não, eis que o tensionamento entre os dois poderes da República avança mais ainda com o Decreto de indulto presidencial de Bolsonaro.

Importante lembramos que, o absurdo dos absurdos ocorreu com a chancela de toda comunidade jurídica do Brasil ao dotar um poder absoluto ao documento (RISTF) que trata tão somente de sobre questões administrativas internas do STF,  assumindo assim contornos de Lei e de Lei Processual Penal. Um precedente perigosíssimo para a segurança jurídica do nosso sistema de normas e leis, diga-se de passagem. Mas retornando aqui ao Decreto do indulto de Bolsonaro e que foi escrito com base no art. 84, inciso XII da CF/88, não cabe mais ao STF impor alguma medida de suspensão ou mitigação dos seus efeitos. Pois como sempre venho defendendo desde o início deste episódio, não existe “meio-perdão”, ou se concede ou não se concede e ponto final! E vou mais adiante, o Decreto de indulto ao deputado Daniel Silveira não requer qualquer rito especial, haja vista que é um ato de competência exclusiva do presidente da República. E mais, não tem limitação quanto às suas edições, o que significa que a caneta de Bolsonaro está pronta para outras concessões de indulto caso o STF teime ainda nessa troca de força juvenil.

O Supremo Tribunal Federal não tem a função de reeditar a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, mas tão somente de ser a sua guardiã. A interpretação da aplicação da CF/88 pelos ministros do STF tem sua própria limitação de atuação escrita no texto legal da Carta Magna do Brasil, sendo que dessa forma não há como o decreto presidencial do indulto ser anulado ou reformado. O mais interessante e que o destino quis assim, onde no caso recentíssimo do julgamento do Decreto de indulto assinado pelo presidente Michel Temer à época que concedeu o mesmo perdão (indulto presidencial) à determinados condenados na ação da lava jato, no qual o ministro constituncional Luís Roberto Barroso deferiu liminar para suspendê-lo (Decreto), mas teve a sua decisão derrubada pelos seus pares no Pleno do STF. E o mais irônico disso tudo é que o ministro da Corte constitucional Alexandre de Moraes foi o principal defensor do poder absoluto do presidente da República quanto à concessão do indulto presidencial. Cabe ressaltar aqui que, Alexandre de Moraes foi tão enfático na sua oratória nesse dia que disse: “a questão do indulto, esse ato de clemência constitucional é um ato privativo do presidente da República, podemos gostar ou não gostar“, mais à frente o mesmo ministro Alexandre de Moraes enfatizou que o ato de clemência do presidente da República não desrespeita a separação dos poderes.

Pois bem, o corpo legislativo de nosso país tem meios legais para coibir os atos desproporcionais reverberados pelo deputado federal Daniel Silveira, como assim residem nos institutos criminais da difamação, calúnia e injúria, somando-se também nas ações por danos morais na seara da legislação civil. À bem da verdade, o STF cometeu o mais graves dos erros em julgamentos que é o da parcialidade. O mesmo ministro que realata a Ação Penal nº 1044, é o mesmo que sofre as ameaças do parlamentar, que determina oitivas, que decide sobre prisões, que aplica multa pecuniária, que relata a ação, que julga e que sentencia o acusado. Ou seja, é a “justiça em si mesmo”! Neste caso específico, colocaram à margem o devido processo legal, escantearam a incidência do juízo natural, bem como não respeitaram a competência exclusiva da Câmara dos Deputados para processar e julgar seu membro pela quebra do decoro parlamentar. Enfim, uma sucessão de falhas primárias e que agora desagua nesse resultado totalmente em descompasso com a legislação nacional. Lembram da Lei de Murphy que falei no início? Pois é!

Nosso maior expoente do direito brasileiro, Rui Barbosa já defendia que “a pior ditadura que tem é a do judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer“. Nesta moldura da AP 1044, a quem devemos recorrer se o STF é a última instância do Poder Judiciário e ao mesmo tempo parte interessada em seu resultado? Para isso, os constituintes foram sábios ao insculpir o instituto do indulto presidencial junto ao Poder Constituinte Originário (Leia-se: Constituição Federal), pela via do Decreto presidencial. De bom grado lembrar que, o próprio Poder Judiciário não está acima do Poder Legislativo ou Poder Executivo.Os poderes da República são independentes e harmônicos entre si, como reza o artigo 2º da Constituição Federal de 1988.

Registro aqui de logo, sobre a minha total reprovação pelo discurso de ódio do então acusado Daniel Silveira, mas também friso com veemência máxima acerca da importância de se respeitar e obedecer a nossa Lei Maior, que é a Constituição Federal de 1988. Para quem sofre de uma miopia jurídica quanto ao caso em debate que trago aqui, o que está em apreciação neste texto não são as falas do Daniel Silveira, mas sim o risco real de uma ameaça contra nosso sistema jurídico nacional. Caso o endosso do STF neste julgamento da Ação Penal nº 1044 seja confirmado, os efeitos derivativos para outras instâncias serão devastadores. E não pense que isso não afetará o direito individual de todos nós, pelo contrário, pois estará em xeque nossa liberdade de expressão, nosso direito à livre locomoção no País em tempos de paz e ao nosso direito à propriedade privada e outros mais.

O Sistema de Freios e Contrapesos amplamente aplicado pelos operadores do Direito deve também ser imprimido ao Supremo Tribunal Federal, sob pena de termos uma “corte” ( “c” minúsculo mesmo) julgadora para além da Constituição Federal e em prejuízo coletivo. Esse final degradante para os dois lados, STF e presidente Bolsonaro, é uma resultante do seu errôneo início pela lavra de um dos ministros do STF e a concordância pelos seus pares.

Uma coisa é certa, a “corda” já esgarçou e torcemos pelo bem de toda a nação brasileira que não haja essa ruptura entres os poderes da União.

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