Quando a delinquência se torna legado familiar, a sociedade inteira paga um alto preço.
Iryna Zarutska fugiu da guerra. Uma jovem de 23 anos, arrancada de sua Ucrânia em chamas, buscou nos Estados Unidos o que toda vida humana merece: paz, futuro e dignidade. Encontrou, no entanto, a morte — esfaqueada dentro de um trem em Charlotte, na Carolina do Norte. Um crime brutal, mas que não pode ser visto isoladamente. Ele carrega o peso de uma linhagem inteira de violência.
O assassino, Decarlos Brown Jr., não brotou do nada. É fruto de um terreno já contaminado, segundo noticiou a imprensa americana (Hindustan Times). Seu pai, Decarlos Brown Sr., tem passagens por invasão de domicílio, conspiração criminosa, furto e até porte ilegal de arma dentro do campus universitário. Ao invés de ser exemplo, foi o alicerce podre de uma descendência marcada pela marginalidade.
O meio-irmão do criminoso, Stacey Dejon Brown, em 2012 atirou no rosto de um trabalhador de 65 anos, que voltava para casa após o expediente. Matou-o sem piedade e ainda usou o sistema de metrô leve de Charlotte para fugir. O mesmo trem que, ironicamente, anos depois seria cenário da tragédia de Iryna.
Não se trata, portanto, de um ato isolado. É uma genealogia criminosa, uma dinastia da delinquência, sustentada pela omissão do Estado e pela complacência de um sistema judicial que abre as portas da reincidência. As prisões foram apenas parênteses na vida dessa família — nunca um ponto final.
O caso de Iryna é a prova mais dura de que a violência não é apenas produto de um indivíduo, mas também de um sistema falido, incapaz de interromper o ciclo do crime. A cada soltura, a cada absolvição, a cada desculpa travestida de direito, o que se vê é a multiplicação de vítimas inocentes. Ayn Rand já advertia: “Quando a força é a norma, o assassino tem a vantagem.” É exatamente essa vantagem que o Estado, fraco, tem concedido aos criminosos. E, assim, assistimos o triunfo do Mal.
No Brasil, recentemente tivemos o caso das três vítimas que tombaram à beira-mar pelas mãos de um marginal já conhecido da polícia, que também usou uma faca para matá-las sem piedade. Escrevi sobre esta atrocidade em Ilhéus. C.S. Lewis lembrava que a maldade se disfarça de normalidade. Hoje, já não se esconde: anda de trem, caminha pela praia, se senta ao nosso lado — até que ataca.
A jovem que fugiu da Ucrânia sucumbiu dentro de um trem em Charlotte; na Bahia, três mulheres tiveram a vida ceifada pela lâmina covarde de um marginal reincidente. O sangue de Iryna, das vítimas de Ilhéus e de tantas outras mulheres brutalmente assassinadas clama por justiça, mas também por força: coragem de dizer que certas trajetórias familiares são, sim, uma escola do crime. E que só uma justiça firme, sem romantizações nem desculpas, pode interromper essa cadeia hereditária da maldade.
Walter Pinto Filho é Promotor de Justiça em Fortaleza, autor dos livros CINEMA – A Lâmina que Corta e O Caso Cesare Battisti – A Confissão do Terrorista. www.filmesparasempre.com.br