Por Frederico Cortez
A Constituição Federal de 1988 elenca no caput do art. 37 um dos principais pilares da administração pública, que é o princípio da eficiência. No entanto, em pleno horizonte pandêmico, com fortíssimas suspeitas de desvio de dinheiro público quanto ao superfaturamento de respiradores, hospitais de campanhas, material para intubação de paciente, máscaras e outros itens necessários ao combate à Covid-19, e outras condutas de desvio de dinheiro público, ex-surge na Câmara dos Deputados uma “reforma” para a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8429/92).
Uns podem até chamar de coincidência, no caso a nomeio de casualismo puro!
A Lei de Improbidade Administrativa foi um dos mais importantes instrumentos já surgidos desde a redemocratização do Brasil. Tal regramento republicano foi a via eleita para a punição e afastamento de milhares de gestores públicos corruptos, onde até então fazer graça com o dinheiro público era a regra. Com isso, a Lei 8429/92 trouxe uma séria de responsabilidades para quem tem a caneta e a chave dos cofres públicos. De uma surpresa inesperada, já adentrando no primeiro biênio pandêmico, os senhores parlamentares ressuscitaram o Projeto de Lei 10.887 do ano de 2018.
No caso, a nova Lei de Improbidade Administrativa que está em sua fase gestacional chegando ao fim, bastando para isso tão somente que o Senado Federal chance as alterações impostas à atual legislação vigente, afastará a forma culposa do agente público para o seu enquadramento no ilícito administrativo. Ou seja, o erro ou a culpa, não mais serão elementos formadores da responsabilidade administrativa de quem gere o patrimônio do povo. Na prática, qualquer forma de desvio (leia-se: corrupção) terá que ser provado o animus (vontade) do gestor público, caso o PL seja aprovado na íntegra pelo Senado Federal. Mas espera aí um pouco! E há como desviar recurso público ou causar prejuízo à administração pública sem vontade, assim ingenuamente? Eis, a pergunta de US$ 1 bilhão!
Fato grave desse upgrade negativo para a administração pública vem com a alteração entabulada no §8º do art.2º do PL 10.887/18. A bizarrice reside no fato de que não será considerada improbidade administrativa a “ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificadas, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos Tribunais do Poder Judiciário”.
Ora, isso é um verdadeiro “passe-livre” para as condutas corruptíveis! Mas se nem no Poder Judiciário há essa benesse quanto à “divergência interpretativa da lei”, vem agora o legislativo nacional se arvorar nessa demência intelectual para mudar algo que vem dando certo no País.
Dentre as inúmeras distorções para o manejo dessa mudança na Lei da Improbidade Administrativa, cito aqui a que tira o seu caráter republicano. Na atual legislação, o seu art. 14 diz o seguinte: “Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade”. Contudo, essa dita “reforma”, passa a atribuir esse poder que é do povo ao Ministério Público, o qual terá legitimidade privativa para a propositura de uma ação de improbidade administrativa. Mas se o povo, não tiver mais esse poder de ser o fiscalizador do dinheiro público, então qual é a justificativa para esvaziar essa cidadania do contribuinte?
A palavra final ficará com o Senado Federal que competirá a dizer um “sim” a tudo que foi mudado e distorcido para a “nova lei da improbidade administrativa”, ou terá a riquíssima e cara oportunidade de recolocar o trem nos trilhos da probidade administrativa e com isso mostrar o seu respeito ao cidadão brasileiro, que de tempos em tempos vai às urnas e elege o seu “representante” nas casas legislativa nacional e local. A bola agora está com os nossos Senadores!