Chegando ao destino. Por Angela Barros Leal

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O rapaz de cabelo comprido, atado em um coque no topo da cabeça, me pergunta se sei onde fica tal lugar. Ele teve sorte. Sei, sim, onde fica o tal lugar. Parados os dois na ponta da calçada, repetimos gestos que indicam a direção à direita, em seguida à esquerda, uma movimentação em círculo, pontas dos dedos desenhando retas e curvas sob 34 graus de temperatura ao Sol.

Ele agradece, segue o caminho dele, e eu sigo o meu, felizmente já conhecido. Foi satisfatório auxiliar alguém a chegar a algum lugar, principalmente por minha imensa dificuldade com orientação.

De nada adianta alguém cheio de boa vontade me informar que preciso seguir até a Torre Leste, ou Sul, ou Oeste, ou qualquer que seja o ponto cardeal indicado. A rosa dos ventos não me serve de guia ou alento.

É provável que eu seja vítima de uma espécie de ‘dislexia espacial’, deficiência ainda não incluída na Classificação Internacional de Doenças – CID, estruturada pela Organização Mundial de Saúde – OMS, para posicionar, em um escaninho próprio, cada uma das mazelas que podem incidir sobre a salubridade dos seres humanos.

Cheia de boa vontade, disponho-me a colaborar com algumas características classificadoras, quem sabe capazes de incluir Dislexia Espacial na próxima versão da CID: dificuldade nata para lidar com direções; incompreensão sobre as instruções que ousem ir além do sempre bem-vindo Vá em frente até o final dessa mesma rua; achar que se está indo quando, na verdade, se está voltando; desligamento automático do sistema auditivo, tão logo um Bom Samaritano comece a dar detalhes de como chegar aonde quero (Dobre onde está aquele coqueiro, siga à direita até o portão amarelo, entre na ruazinha ao lado do muro do açougue – e por aí afora).

É trabalho perdido, alguém insistir em me orientar, o que reconheço com humildade consciente. Jamais serei uma Beatriz, a conduzir Dante, em sua Divina Comédia, pelos sete infernos, ou pelas nove esferas celestiais do Paraíso.

E foi por tal razão que saudei, com máxima alegria, a chegada ao mundo dos instrumentos de Global Positioning System, o afamado GPS, a verdadeira bússola dos náufragos da geografia urbana, interurbana, interestadual.

O GPS se fez carrasco dos mapas impressos. Decepou a cabeça daqueles calhamaços de papel, escondidos em dobras de origami, fadados a serem abertos sempre do lado errado. Não existia quem conseguisse, após o uso, fazer com que o mapa, um Cubo de Rubik em celulose, retornasse ao formato original.

Hoje em dia, os motoristas cruzam as vias com o piloto automático ligado. Esqueceram os nomes das ruas. Deixaram de lado os pontos de referência. Transferiram a um aplicativo, de mão beijada, seu senso de orientação.

De mãos dadas com o GPS, seguem tão perdidas como sigo eu, cegos e surdos a outros comandos que não a voz gentil, previamente gravada, antecipatória dos obstáculos do percurso. Escolhemos crer, acima de tudo, na voz desincorporada que revela a aproximação de radares, a previsão de buracos, os acidentes registrados mais adiante. Depositamos nossa fé na voz que adverte, tão maternalmente, sobre a distância para o destino, a velocidade do veículo, os trechos de trânsito mais fácil, os riscos eventuais ao longo do trajeto.

E não acho que isso seja mal. Ao contrário. Não é raro me pegar pensando em quando teremos um aplicativo semelhante, que norteie nossos dias. Aguardo ser apresentada a um sistema capaz de revelar a maneira mais correta de ir, por exemplo, do ponto A ao ponto Z na decisão a ser tomada. Anseio por um aplicativo que facilite a escolha diária do caminho certo, entre tantas opções de atitude, em especial diante de encruzilhadas, de cruzamentos arriscados, de terrenos inseguros.

Um aplicativo assim funcionaria como uma espécie de Manual de Instruções para a Vida, um GPS indispensável para uso cotidiano, algo em que poderíamos depositar nossa confiança até o dia em que, cansados de tanta milhagem, aquela mesma voz maternal se fizesse ouvir, emitindo o mais importante dos avisos: Você chegou a seu Destino.

Angela Barros Leal é jornalista, escritora e colaboradora do Focus Poder desde 2021. Sócia efetiva do Instituto do Ceará.

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