É muito fácil não gostar de “Coringa: Delírio a Dois“. O filme decepciona do início ao fim, ignorando tudo que funcionou no anterior e frustrando aqueles que esperavam ver o infeliz Arthur Fleck finalmente se transformar no palhaço do crime mais icônico da cultura popular. Para piorar, tudo isso é apresentado em um formato musical, algo que gera controvérsias entre os desavisados e preconceituosos.
Resumidamente, o filme se sabota… mas ainda assim é ousado. Para evitar ser apenas uma extensão do primeiro, o diretor Todd Phillips buscou elementos que o diferenciassem de outras adaptações de histórias em quadrinhos. O musical, frequentemente subestimado, se torna uma voz inovadora nesse sentido, explorando camadas e elementos que aprofundam a psique do protagonista, que, por sua vez, evolui mais neste do que no anterior.
Infelizmente, as músicas não funcionam na maior parte. A primeira metade do longa é constrangedora, mesmo com cenários deslumbrantes que preenchem a tela com cores e detalhes impressionantes. As danças são filmadas com a câmera parada, fazendo com que os atores se movimentem de forma desajeitada, o que decepciona profundamente.
No entanto, ao chegarmos a um julgamento na segunda metade, tudo começa a melhorar. As danças, sapateados, jazz e letras se tornam ferramentas que enriquecem a narrativa, trazendo mais cor ao enredo, apesar da escuridão interna dos personagens.
A sensação que fica é a de que na primeira metade tivemos um montador e na segunda, outro. A qualidade melhora exponencialmente conforme nos aproximamos do clímax da história. Talvez a intenção fosse essa: começar de forma estranha e desconfortável para, gradualmente, evoluir em elegância. Quem sabe…
Isso não se aplica a Joaquin Phoenix, que está bem do começo ao fim. Aqui, ele retorna ao que faz de melhor: emocionar com sutilezas. Não precisa de monólogos ou músicas dramáticas de fundo para transmitir a miséria de seu personagem.
Um olhar para baixo, uma tragada no cigarro e uma caminhada para jogar fora os seus dejetos são o suficiente para expressar seus sentimentos em relação às escolhas que fez no final do antecessor.
Sua atuação é corajosa, pois desafia as expectativas do público, que desejava ver uma evolução do seu personagem. No entanto, o que encontramos é um retrocesso, um mergulho em um inferno gelado, onde a única recompensa é o sorriso ao perceber que, finalmente, será punido pelos crimes que cometeu.
Isso frustra, especialmente aqueles que esperavam uma interpretação do Coringa que pudesse rivalizar com a de Heath Ledger em “O Cavaleiro das Trevas“. E isso não acontece. É uma atuação que está isolada de todas as outras e esse é o maior elogio que eu poderia dar.
Tentamos acompanhar o personagem, na expectativa de, como diz Lady Gaga, assistir ao espetáculo que, afinal, não se concretiza. É audacioso, às vezes absurdamente estranho, mas em nenhum momento é preguiçoso. Se o objetivo era desafiar o status quo das adaptações de histórias em quadrinhos que dominam o cinema contemporâneo, Todd Phillips e Joaquin Phoenix conseguiram.
Por fim, Delírio a Dois trata-se de uma obra irregular, com momentos que poderiam ser cortados ou aprimorados, mas que se destaca pela vontade de desafiar e irritar — algo que, infelizmente, o gênero raramente se atreve a fazer. Admiro a força de vontade deste projeto em ser uma anti-história em quadrinhos, um anti-Coringa e um anti-público, já que, curiosamente, esse mesmo público o abandona perto do final da projeção. É uma verdadeira poesia.
Resta saber se o filme será bem avaliado no futuro, de forma diferente do que é agora. Apenas o tempo dirá.
Confira a crítica no Cine Amora: