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Da presunção infinita da culpa; Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

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DA PRESUNÇÃO INFINITA DA CULPA
(OU COMO LIDAR  COM OS PECADOS FUTUROS)

Por Paulo Elpídio de Menezes Neto
Articulista do Focus

Sem pipoca, esperto e insone, entrei noite a dentro em companhia de Morgan Freeman e Brad Pitt; estiquei a noite com  “Seven – Os Sete Crimes Capitais” na telinha. Por suposto, um filme policial, dotado, todavia, de diálogos imperdíveis  entre dois detetives. Um “polar”, diriam os franceses, saudosos de Maigret e das suas astúcias de inspetor remido do Quai des Orfèvres  em “Chien Jaune”.

Brad Pitt e Morgan Freeman em cena de Seven - Os Sete Crimes Capitais.
Brad Pitt e Morgan Freeman em cena de Seven – Os Sete Crimes Capitais. Lançado em 1995, longa foi dirigido por David Fincher e também tinha no elenco nomes como Kevin Spacey e Gwyneth Paltrow.

Na investigação, que ocupou boa parte do filme, nesta noite de sábado, quando o mundo porfia suas habilidades sobre terras da Lutetia, as buscas sobre um intrincado caso de suspeitas futuras, levaram os dois personagens — os delegados William Somerset e David Mills — a uma biblioteca pública. A cena lembra “1984”, de Orwell, 0’Brien e a presença do Big Brother.

Pedido o livro pelo título, a ficha de empréstimo da biblioteca guardará para sempre o ato delituoso futuro, previsível, de quem o lera ou consultara, quando e por quantas vezes. As anotações deixadas às margens das páginas, por hábito adquirido ou por descuido, poderão ser aceitas e, assim, entendidas como se fora confissão incriminatória e presuntiva, imperdoável, tamanhas as evidências para a prática de um crime futuro. O FBI, de posse de provas irrefutáveis de tendências criminosamente anunciadas, poderá  informar em um relance quem estava lendo a literatura insurreta ou a lera em algum tempo —  ou dela fizera reserva para aprovisionamento futuro.

As marcas deixadas por um leitor no livro, instrumento de um crime cometido ou a ser praticado, por mais experiente que ele seja, são indeléveis aos olhos dos censores de evidências. As provas do ato premeditado acumulam-se nos rastros persistentes, como se fora impressão digital denunciadora.

Sabe-se que é possível reconstituir o passado ideológico de uma pessoa pelo aprovisionamento de livros entre os seus bens de guarda. Um livro, lido ou por ler, é o dedo apontado para culpas dissimuladas. Ou intenções futuras e infinitas expectativas…

Não espanta, por tudo o que se disse até agora que, por aqui mesmo, tantos comissários e agentes insuspeitados e a mídia tenham-se empenhado em “pôr amarras” ao que restou de liberdade de escolha e pensamento nas redes sociais ou por outros desvios esconsos do que abusivamente algumas pessoas chamam de “liberdade”.

Dois minutos de ódio | VEJA
Cena do filme 1984, baseado no clássico de George Orwel. Em 1984, de George Orwell, Goldstein é o inimigo comum da nação. Há um programa de TV dedicado a ele: Dois Minutos de Ódio. Todos os dias, os cidadãos sob o regime do Grande Irmão reúnem-se para insultar o suposto inimigo.

A fixação orwelliana para antecipar presuntivamente erros e crimes futuros, neste quadro aberto pelas artimanhas forenses sobre a “contravenção infinita”, que todos e qualquer um serão capazes de cometer, traça o riscado de um círculo caucasiano de suspeita e culpa do qual ninguém haverá escapar. Quer-se que as sociedades possuam armas de defesa que as protejam contra os seus impulsos de racionalidade e contenham os anseios humanos, “demasiadamente humanos” desta humana gente, “da terra bicho tão pequeno”

É como se fosse possível, pelas evidências do DNA ou pelos vestígios dos genomas, condenar alguém pelo crime que poderá vir a cometer em futuro, a salvo dos juízos complacentes de inocência. Valeria como suspeição confirmada pelo tempo infinito do potencial de contravenção que as pessoas carregam dissimuladamente consigo, o gatilho para o disparo fatal. Todos somos culpados, até mesmo com provas absolutórias de inocência. 

A culpa é da índole humana. Todas as práticas da fé a que se amarram os humanos em desespero de causa, são uma forma de arrependimento contra pecados futuros. 

Pecados consumados perdem interesse diante do novo direito penal pós-moderno, nesta frondosa civilização “woke” anunciada. 

Inscrição na Basílica de Latrão, em Roma, com a frase (em latim) “Indulgência plenária perpétua todos os dias, sempre que possível, para os vivos e os mortos”.

Houve tempo,  quando eram vendidas indulgências, de os pecados serem revogados pela autoridade eclesiástica, tempos cheios de graça e doce compadecimento aqueles. Os pecados condenados ou absolvidos por culpas revistas banalizam-se, perdem  a sua força, a sua intencionalidade. Todavia,  os pecados futuros, os que seremos  capazes de cometer,  hão de ser tratados preventivamente. Não que possam ou devam ser evitados, porém por assepsia social, entenda-se. 

Pelas leituras suspeitas e pelos desvios de pensamento, por uma palavra deitada em descuido, o grande Mestre poderá apontar e medir o grau de periculosidade de um cidadão considerado, aparentemente, acima de qualquer suspeita.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.

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