Desmemória Palaciana; Por Angela Barros Leal

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Nos anos 20 do século passado, um rico industrial cai de amores por uma bela e talentosa italiana. Tamanha é a paixão, que ele se empenha em chamar os mais renomados engenheiros e arquitetos para recriar um suntuoso palacete, em estilo florentino, inteiramente dedicado à sua amada.

Não se trata de um conto de fadas, muito menos do que aquilo que a maioria dos cearenses poderia suspeitar: que a informação gire em torno do afamado Palacete do Plácido, erguido em Fortaleza nos anos 1920, pelo industrial Plácido de Carvalho, materializando o amor sentido pela italiana Pierina Rossi.

Nenhuma das duas hipóteses é a correta. A história referenciada aconteceu no Rio de Janeiro, mais precisamente no local hoje conhecido como Parque Nacional da Tijuca, próximo à lagoa Rodrigo de Freitas, entre o braço direito do Cristo Redentor e o Jardim Botânico. Um oásis de preservação do verde em pleno movimento urbano carioca.

Por puro acaso, me deparei com a descrição sobre o Palacete Lage, tão curiosamente similar àquela da edificação que seria hoje o nosso ícone – não tivessem os ventos enganosos do Progresso soprado para longe a existência dele.

É bem provável que tenha acontecido uma mera coincidência, a de conviverem, em uma mesma década, dois industriais brasileiros apaixonados por duas italianas, ambos em condições românticas e financeiras assemelhadas, direcionados à mesma intenção de erguer palacetes para o acolhimento de suas amadas.

Também é possível que o nosso Plácido tenha conhecido o projeto de Henrique Lage, em algumas de suas viagens de negócios ao Rio de Janeiro, e se decidido a trazer o mesmo espírito ao seu Ceará, homenageando de igual maneira a sua italiana.

Diferente de Pierina, da qual não se tem conhecimento de um dom específico, Gabriela Besanzoni – a princesa escolhida pelo Diretor-Presidente da Companhia Nacional de Navegação Costeira, Henrique Lage –, era familiar aos frequentadores da cena cultural do Rio de Janeiro da época. Integrava o elenco de cantoras de ópera do Teatro Municipal, e seu nome era presença constante no noticiário musical dos jornais.

Passaria a ser a segunda esposa de Henrique, enfrentando antes um rumoroso processo de bigamia. Por ser ela italiana, a complicação jurídica se fez ainda maior, forçando o adiamento da data agendada para o matrimônio. Entretanto, lei alguma impediria a realização do casamento, acontecido em 1925. 

O amor vence tudo, talvez ela cantasse com sua voz em contralto, ou meio soprano, entre as linhas melódicas de “Carmen”, de “O barbeiro de Sevilha”, da “Cavallaria Rusticana”, suas árias prediletas.

Era imensamente sociável, a italiana Gabriela – tia-avó de Marina e Arduino Colasanti, responsável pela vinda deles para o Brasil. Costumava promover eventos culturais em seu palacete, entretendo os convidados com o que os periódicos descreviam como “sua voz maviosa”, cantando operisticamente do terraço do belo edifício, circundado pelo verde da mata atlântica. Fazia bom uso de seus jardins, de sua piscina, de seu chafariz, dos átrios e torres e salões projetados pelo engenheiro e arquiteto Mario Vochet.  

Assim como Pierina, Gabriela continuaria residindo no palacete após a morte do marido. Viveria até 1962, não antes de ver o local ser reconhecido como Patrimônio Histórico e Cultural do Rio de Janeiro, em 1957, “por compor importante memória histórica da cidade.”

Destino tão diverso do nosso Palacete, demolido com tanta pressa e sob tanto sigilo, em uma semana desatenta de Carnaval. Enquanto o Palacete Lage é hoje ponto de visitação turística, e oferecendo intensa atividade cultural, o prédio erguido por Plácido de Carvalho sobrevive apenas na bidimensionalidade das fotografias, e na desincorporação das nossas memórias. 

Que comentários devem trocar sobre isso os dois casais apaixonados, residindo hoje em outro plano – eu bem que ia gostar de saber.


Angela Barros Leal é jornalista, escritora e colaboradora do Focus Poder desde 2021. Sócia efetiva do Instituto do Ceará.

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