Ficou a impressão que Bolsonaro seria a liderança natural de uma “direita”
em gestação como contraposição a uma “esquerda”, assentada nos poderes da República.
Esta suposição tem o travo da preferência saída de uma eleição que afastou Bolsonaro de um segundo mandato presidencial e que, agora, decisões judiciais ad hoc o impedem
de candidatar-se em 2026.
A esquerda, tanto quanto essa direita indefinida e indefinível, são o centro de aguerridas federações, pouco confiáveis, de partidos e tendências ideológicas.
A esquerda auto-nomeou-se “progressista”, ainda que se reconhecesse fruto de uma democracia “relativa”. Serviu-se desses desvios como estratégia para descolar-se do rótulo incômodo, ainda que útil, de “socialista” ou, in extremis, de “comunista”.
Dominada pelo ódio visceral que anima parte da militância do ativismo orgânico que vive à sombra do líder do Estado, os ativistas, sobreviventes-marxistas recorrem a um expediente de marquetagem eficaz: a classificação demonizadora dos seus oponentes, suspeitos de integrarem uma ”direita-radical” — de “fascistas”, lesa-pátria.
A liderança das esquerdas, entregue a Lula, desde 1988, está para alcançar o final de um longo ciclo de dominação no PT e de seus apêndices estrategicamente adicionados à sopa de letrinhas do nosso multipartidarismo de ocasião.
Do que toca a Bolsonaro, a análise critica do papel que ocupa nesta federação de interesses a que se convencionou chamar “Centrão”, não é clara e, ao que se vê, perde peso e precedência, a cada dia, em meio a uma convergência de cartolas partidários cujas tendências políticas e os interesses particulares que os movem, pouco ou nada têm em comum.
Nesta “caixa de Pandora”, vazia de projetos e de programas, restam apenas os cargos no governo e os benefícios decorrentes dos níveis de empreendimento do Estado. Esta constatação vale para os “comunistas” e para os ”fascistas”, em uma guerra campal ao derredor do caixa das lides republicanas.
Em pouco, a velocidade do processo de corrosão que oxidará as candidaturas de Lula e Bolsonaro abrirá espaço para a festa de anunciação de novas e indistintas liderancas partidarias — à esquerda, à direita e ao centro.
Criamos um retrato falso do ordenamento ideológico.
Esquerda e direita surgiram, no Brasil, das confrontações grupais de oligarquias poderosas. Demos-lhes as cores heroicas de uma luta de classes. Quase repetimos, aqui, em 1935, o que os bolcheviques e os mencheviques realizaram nos quintais dos “románov”, empenhados na construção de uma “ditadura do proletariado”.
Foi necessário, entretanto, que os “democratas” de direita buscassem a salvação da Pátria em “defesa da família e da fé”, nos idos de 1964, para que a esquerda pressentida ganhasse a força e a expressão que manifestam agora, em um quadro no qual ela aparece com as promessas ambiciosas da esperança.