“Os homens que a concebem [as revoluções] não são os que as executam. Aqueles que as iniciam raramente vivem para ver o seu fim, exceto no exílio ou na prisão”, Raymond Aron
“Les ennemies sont frères” — os inimigos são irmãos — é um antigo aforisma francês que se aplica com justeza à política, às ideologias e às razões de fé que comandam o “bom-senso” dos Homens e os seus “arrières-pensées”.
O Ocidente, do fato das lutas hegemônicas gregas e das fricções entre o “nacional-socialismo” e o “socialismo-internacionalista” — o fascismo e o socialismo, o “nazismo” e o “comunismo”, a “direita”” e “esquerda”, assistiu ao nascimento da “democracia” e da “ditadura”. Irmãs e inimigas. Próximas pelas diferenças, distintas pelas semelhanças. Juntas e separadas pelos objetivos, instrumentos, meios e fins.
Fiz desta antinomia tema recorrente do qual me sirvo sem cerimônia. Valho-me deste subterfúgio lógico sob a proteção do reconhecimento da “harmonia dos contrários”, a que se referia Heráclito, para compreender o que faz das diferenças traços afins e das afinidades resoluções tão díspares.
No Brasil, este país “inzonero” [Apud Ary Barroso, in “Aquarela do Brasil”: instigante, dissimulado, manhoso ou sonso], suscetível aos menores sintomas de modernidade, “direita”e “esquerda” são verbetes traiçoeiros. Primeiro, pelo significado provisório que assumiram. Segundo, pela imprecisão de que se revestem, como conceito ou preceito, quanto mais por mero preconceito.
Na sua matriculação gramatical tanto um quanto o outro são substantivos ou adjetivos. Na Convenção, respondiam a uma certa topografia pela localização no Plenário. Jacobinos e Girondinos traziam o selo dos radicais e dos moderados.
Não é por ter-se reconhecido como um “incorrigível Liberal” que Raymond Aron deveria ser ignorado. Afinal vale a este homem a distinção como uma das mais lúcidas consciências do
pensamento politico contemporâneo. Não porque não houvesse surgido na Academia e fora dela quem tentasse reduzir a sua importância como filósofo e politicólogo.
Dele veio, no final do século passado uma das indagações mais embaraçosas sobre se os termos “direita” e “esquerda” ainda têm alguma significação. Ou se seriam ainda úteis como conceito ou classificação política.
À esquerda Aron atribuía o viés romântico e otimista quanto ao progresso e a “disposição para arriscar a liberdade em nome da igualdade”. A direita, mais cética em relação às “mudancas radicais”, priorizaria as “liberdades individuais”…
Ingênuo seria imaginar que a esquerda e a direita, construídas com aparelhagem doméstica em nossa cozinha de quintal, guardasse alguma coisa da formatação de origem.
De Platão e Aristóteles, do ideal ancestral da democracia, esquerda e direita, tal como nos chegou nesta árdua contemporaneidade, têm muito pouco em comum. Não passaria de uma simplificação forçada e impertinente estabelecer entre a democracia e o Estado de direito que criamos pelos trópicos, alguma relação, na teoria quanto na prática.
Esquerda e direita em um sistema político dominado por uma democracia apontada como “relativa”, traem algumas afinidades no potencial totalitário que as identifica.
Cerca de 37 partidos políticos autorizados e uma dúzia de novos projetos em banho-Maria representariam a
multiplicidade de tendências em que se abre a sociedade brasileira.
Improvável reconhecer neste conglomerado de vagas carências ideológicas algum cacoete que pudesse lembrar a esquerda e muito menos — a direita. Nem mesmo nos traços inscritos no Foro de São Paulo.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.







