A morte do Papa Francisco encerra uma era marcada pela tentativa de reconciliar fé e humanidade, tradição e transformação. Seu pontificado rompeu protocolos, incomodou setores conservadores e aproximou milhões de católicos afastados. É nesse espírito — mais humano do que dogmático — que Dois Papas, dirigido por Fernando Meirelles é produzido pelo Netflix, retratou, com liberdade criativa e notável sensibilidade, os bastidores de uma transição histórica no Vaticano. Entre as licenças poéticas e os fatos, o filme acerta ao captar o que Francisco representou: um Papa que dialogava — inclusive com seus próprios limites.
O que importa: O filme Dois Papas, de Fernando Meirelles, vai além da curiosidade com a renúncia de Bento XVI e da eleição de Francisco. Ele arrisca algo raro: tornar crível o embate ideológico dentro da Igreja, sem perder a ternura nem o humor.
Entre as cenas e as ideias:
- A renúncia de Bento XVI em 2013 quebrou um tabu secular — e abriu espaço para um novo imaginário papal. O filme explora essa transição não como um drama de poder, mas como uma crise espiritual vivida a dois.
- Bergoglio é retratado como o papa “de carne e osso”, ligado às periferias de Buenos Aires, fã de futebol, tango e… Dancing Queen. Jonathan Pryce dá leveza a esse Francisco que assovia Abba e come pizza na rua.
- Bento XVI surge como o contraponto: erudito, frio, autoritário. Anthony Hopkins interpreta com precisão quase litúrgica um homem carregado de peso institucional — e arrependimento.
Entre as linhas:
Não há heróis nem vilões. Meirelles aposta na complexidade. O filme constrói um respeito mútuo entre opostos que raramente se vê na vida pública — e muito menos na política eclesial.
O que é pura invenção:
- O encontro decisivo entre os dois papas nunca aconteceu nos moldes do filme.
- A pizza e a final da Copa de 2014 assistida a dois? Licença poética.
- O roteiro romantiza o passado de Bergoglio e simplifica episódios delicados, como sua relação com a ditadura argentina.
Por que ainda vale assistir:
Dois Papas é um filme sobre a fé que duvida, sobre tradição em conflito com renovação. É também uma ode à América Latina: nas cores, na música, na memória de quem cresceu entre feridas e esperanças.
No detalhe:
A trilha sonora une Beatles, Abba, Bella Ciao, Guantanamera e Bésame Mucho — uma missa pop em tons latinos. A fotografia de César Charlone e os flashbacks filmados na Argentina são outro destaque à parte.