O vento nunca sopra a favor
para o marujo que não sabe aonde ir
Sêneca
Para início de uma trajetória como colaborador na plataforma Focus, a convite do editor Fábio Campos, escolhi como primeiro tema a nossa aldeia, Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, quarta maior cidade em população do país, que está próxima de completar 300 anos. Lembro aos distintos leitores que, segundo decreto da monarquia portuguesa, a vila de Fortaleza foi formalmente instituída em 13 de Abril de 1726, daí, através de lei municipal, se estabeleceu esta data como aniversário da nossa urbe.
O bicentenário da loura desposada do sol – segundo o poeta Paula Ney -, ocorrerá daqui a dois anos. É momento propício para iniciarmos uma reflexão sobre o rumo da nossa bela e desigual cidade. Como dizia o filósofo estóico romano, Sêneca, o vento nunca sopra a favor para o marujo que não sabe aonde ir. Quo Vadis? Qual o nosso destino?
Fortaleza, com seus 121 bairros, 39 territórios, 34 Km de litoral e 2,4 milhões de habitantes é, segundo alguns economistas, a terceira mais relevante metrópole brasileira, pois polariza, com sua pujança econômica e cultural parte considerável da região Norte e Nordeste. Exerce, sem dúvida, uma grande atração para o comércio e serviços, notadamente o turismo
Daqui a dois meses teremos eleições municipais. Momento cívico onde os cidadãos poderão escolher, entre nove alternativas programáticas, aquela que mais lhes aprouver. É necessário que os eleitores tenham, a priori, um diagnóstico da nossa realidade. Preocupa-me o discurso dos nossos atuais dirigentes. Tem-se dito, efusivamente, que Fortaleza tem o maior PIB do Nordeste – o que é verdade, porém insuficiente.
Não é razoável que tenhamos a vigésima renda per capita, dentre as capitais brasileiras e que, segundo o IPECE (Instituto de Pesquisas do Governo do Estado) a extrema pobreza aumentou consideravelmente entre 2012 e 2023, de 8,7% para 19,6%, praticamente 480 mil habitantes. É inegável o crescimento econômico, mas é vergonhosa a concentração de riqueza; portanto, cabe ao gestor estabelecer políticas, em parceria com os governos estadual e federal para a reduzir a vergonhosa desigualdade social e territorial. Qual a política desenvolvida para as 9 mil pessoas em situação de rua e as milhares que ainda são humilhadas pela fome.
Os bairros periféricos deveriam ter a mesma prioridade dos habitantes da zona leste e sudeste. Quem não reconhece os avanços da urbanização da Beira-Mar, dos viadutos e ciclovias que melhoraram a mobilidade urbana; mas como justificar o envelhecimento da frota de ônibus e a diminuição de suas rotas superlotando as viagens na hora de pico?
A população está insatisfeita com o péssimo acolhimento nos serviços públicos, notadamente nos postos de saúde e hospitais municipais. A saúde mental foi esquecida pela atual gestão, pois não houve o aumento necessário de CAPS e profissionais da área. A política de assistência social do atual Governo é um desastre, pois quase não foram criados equipamentos como CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centros de Referência Especializados de Assistência Social). Deveriam ser, no mínimo, 68 e 13, respectivamente. São 27 CRAS existentes, apenas 3 construídos nos 12 anos das gestões do PDT e 6 CREAS, nenhum construído nos três últimos governos. É preciso ressaltar que esses equipamentos são as portas de entrada dos programas sociais dos governos, sobretudo de transferência de renda como Bolsa-família, Cartão mais Infância, Vale-gás, dentre outros.
Fortaleza vivenciou, nas últimas gestões, um descaso com a política ambiental. A desastrada taxa do lixo não diminuiu a presença de resíduos sólidos e é vergonhoso registrar que há cerca de 1200 pontos de lixo. Os últimos prefeitos abandonaram as unidades de conservação municipais e derrubaram um infinidade de árvores para a construção de calçadas e vias públicas, quando o desenvolvimento sustentável exige o aumento das áreas verdes.
O patrimônio histórico foi vilipendiado. Prédios de grande valor simbólico foram descaradamente demolidos sem nenhum interesse da gestão municipal em preservá-los. Qual o investimento em política cultural nos bairros mais distantes? O que se investiu em economia criativa? Se temos algo a comemorar é devido a prioridade dada pelo Governo Estadual que vem sendo responsável pelas principais realizações nesta área.
O que foi feito do Plano Estratégico Fortaleza 2040? Milhares de fortalezenses se envolveram naquela mobilização sob a liderança de Eudoro Santana e supervisão de um dos maiores urbanistas do Brasil, Fausto Nilo. Que planos urbanísticos foram concretizados? É hora da cobrança cidadã, pois, afinal de contas, foram anos de debate e muitos recursos envolvidos neste projeto.
Nada melhor do que um processo eleitoral para que possamos cotejar as propostas e as trajetórias dos que almejam a nobre função de prefeito de Fortaleza. Que possamos estar atentos e escolhamos, com muito critério e coerência, o melhor projeto que possa garantir desenvolvimento sustentável, distribuição de renda, geração de oportunidades e inclusão social