
O fato: Em apenas um ano, os gastos do Judiciário com salários acima do teto constitucional saltaram de R$ 7 bilhões para R$ 10,5 bilhões — uma alta de 49,3%, quase dez vezes superior à inflação oficial do período (4,83%). O dado integra estudo inédito do Movimento Pessoas à Frente, em parceria com o economista e jurista Bruno Carazza.
A pesquisa se baseia em informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e evidencia o crescimento dos chamados penduricalhos — verbas indenizatórias e adicionais que permitem driblar o limite de remuneração imposto pela Constituição, hoje fixado em R$ 46.366,19.
Segundo o levantamento, auxílios e benefícios não tributáveis representam hoje mais de 43% do rendimento líquido dos magistrados. Esse percentual deve ultrapassar 50% nos próximos meses, à medida que crescem verbas classificadas indevidamente como indenizatórias, fora do alcance do Imposto de Renda.
A escalada dos rendimentos: Entre 2023 e 2024, o rendimento líquido médio de juízes passou de R$ 45.050,50 para R$ 54.941,80 — avanço de 21,95%. Em fevereiro de 2025, o valor chegou a R$ 66.431,76. Embora apenas 0,06% dos servidores públicos tenham acesso a esses ganhos extrateto, os efeitos sobre o orçamento são bilionários.
Para Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente, trata-se de um problema estrutural. “Esses abusos se perpetuam desde 1988. A Constituição previu um teto, mas criou brechas que, somadas à inércia legislativa, tornaram o mecanismo inócuo”, afirma.
Propostas contra os abusos: Diante do avanço dos supersalários, o movimento propõe que a reforma administrativa, em tramitação na Câmara, priorize o combate aos excessos.
Em manifesto assinado por dez organizações da sociedade civil, foram listadas nove medidas estruturais, como:
- Reclassificação correta entre verbas remuneratórias e indenizatórias;
- Tributação das verbas que, de fato, são salário;
- Fim da vinculação automática entre subsídios de diferentes carreiras;
- Transparência e governança na remuneração pública;
- Transformação de benefícios indevidos em verbas remuneratórias e sujeitas ao teto;
- Previsão de improbidade administrativa em pagamentos sem respaldo legal.
A proposta também mira privilégios específicos do Judiciário, como férias de 60 dias, licenças por tempo de serviço, aposentadoria compulsória como forma de punição e gratificações acumuladas.
Haddad e o risco de desidratação: O tema voltou ao centro do debate após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defender publicamente que a reforma administrativa comece justamente pelo combate aos supersalários. O governo chegou a enviar uma proposta de emenda à Constituição para enfrentamento do problema, mas o texto foi desidratado no Congresso e transformado em projeto de lei ordinária — o que reduz seu alcance e aumenta a chance de reversão futura.
Enquanto a reforma segue em discussão, os gastos com verbas extrateto seguem em alta. Se o ritmo atual continuar, os supersalários do Judiciário podem dobrar novamente até 2026.
“É preciso coragem política para enfrentar esse desequilíbrio. Caso contrário, o teto constitucional continuará sendo um teto só para alguns”, alerta Bruno Carazza.