Honestidade Intelectual. Por Rui Martinho

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Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

A neutralidade axiológica é um debate insolúvel, embora tenha por objeto um problema simples. Algumas proposições se repetem sobre neutralidade e engajamento. Todos têm um lado; neutralidade como omissão, conivência ou cumplicidade, máculas associadas ao “isentão”. Tudo isso procede e não procede. Tratando-se de juízo de valor a isenção pode ser uma das condutas citadas, mas como juízo de realidade, de fato ou de existência, ter lado é um erro ou desonestidade intelectual.

O que legista diz, em um laudo pericial, é um juízo de fato. Exemplificando: a perícia deve dizer que constatou havia no cadáver uma ferida perfuro-cortante no terceiro espaço intercostal esquerdo, com lesão de tais e tais vasos, ocasionando hemorragia externa e interna e óbito por hipovolemia. Tal seria um juízo de realidade, quer esteja certo ou errado. O que caracteriza tal juízo é a natureza do objeto (fatos), não a perfeição da descrição e das conclusões. O legista não formulou nenhum juízo de valor, não reprovou nem justificou a conduta do autor do golpe mortal, observou a neutralidade axiológica e não foi omisso, conivente ou cúmplice com autor do homicídio. Tivesse ele formulado juízo de valor teria sido desonesto intelectualmente não só por extrapolar suas funções e por julgar a conduta baseando-se apenas no exame cadavérico, desprezando o conjunto probante.

O órgão do Ministério Público, dirigindo-se aos membros do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, descreveu o mesmo fato como agressão injustificada, covarde e traiçoeira. Formulou juízo de valor. Certo ou errado o acusador formulou um juízo de valor com base no conjunto de provas factuais, conforme os requisitos de conveniência e de oportunidade da discricionariedade facultada ao órgão ministerial.

Não deveria haver dificuldade em reconhecer as duas situações do exemplo citado. O debate, porém, não tem fim, quando se trata de questões políticas. A essência do fato político é o juízo de valor. A decisão política, nada obstante ter caráter valorativo, precisa de fundamento factual. A inflação é mais prejudicial para os mais pobres, configurando um problema ético. Como conter a inflação e identificar suas causas são fundamentos factuais relevantes para a decisão política que é valorativa. As ciências, da natureza ou da cultura, podem ser descritivas ou compreensivas. Estas buscam o significado da conduta dos sujeitos da ação social, sem pretensão de regulamentar condutas (Maximilian Karl Emil Weber, 1864 – 1920, na obra “Metodologia das ciências sociais). A normatividade se restringe a ética e ao Direito.

A sofocracia dos reis filósofos projeta novas condutas e novos sentimentos em sua reengenharia social e antropológica. Tais “engenheiros” têm como inspiração as mais elevadas e altruísticas motivações, reforçadas pela vontade de potência mencionada por Friedrich Nietzsche (1844 – 1990), afinal, os generosos demiurgos da sociedade e de um homem inteiramente novos são “mais iguais”, na nova ordem pretendida, nos termos da alegoria de Georg Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950), “A revolução dos bichos”. O problema ético não pode ser excluído das decisões políticas, mas não podem conflitar com a realidade factual. As considerações valorativas podem observar a ética da convicção, da responsabilidade ou situacional. Os valores podem ser contemplados na perspectiva teocêntrica, cosmocêntrica ou antropocêntrica, podendo ser abordados do ponto de vista crítico ou teórico. Seria necessário, para tanto, outra reflexão.

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