Por Camilla Góes
A judicialização da saúde é um fenômeno que vem crescendo de forma alarmante no Brasil, impactando diretamente o Sistema Único de Saúde (SUS) e gerando desafios que vão além do simples cumprimento de decisões judiciais.
Trata-se de um reflexo das lacunas no acesso à saúde e da percepção dos cidadãos de que o Poder Judiciário pode ser um canal eficaz para garantir o tratamento médico ao qual acreditam ter direito, amparados pelo texto constitucional. No entanto, essa realidade gera graves repercussões financeiras e de gestão para o SUS, demandando soluções estruturais e inovadoras para garantir a efetividade do direito à saúde.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as demandas judiciais na área da saúde cresceram exponencialmente nos últimos anos. Em 2020, foram contabilizadas mais de 130 mil ações judiciais relacionadas à saúde em todo o Brasil, representando um aumento significativo em relação aos anos anteriores. Essas ações envolvem tanto pedidos de fornecimento de medicamentos e tratamentos de alto custo quanto a solicitação de vagas em UTIs e o custeio de procedimentos médicos não cobertos pelas políticas públicas de saúde.
A maioria dessas demandas recai sobre o SUS, que já opera com um orçamento limitado e enfrenta dificuldades para suprir a totalidade das necessidades da população. O problema é que, ao atender ordens judiciais específicas, o sistema acaba redirecionando recursos que seriam aplicados em políticas públicas mais amplas, impactando a sustentabilidade financeira do SUS e limitando o atendimento de uma maior parcela da população. Ou seja, a judicialização pode privilegiar demandas individuais em detrimento do interesse coletivo, agravando as desigualdades no acesso à saúde.
Os efeitos da judicialização da saúde são particularmente severos em termos financeiros. O custo das ações judiciais relacionadas à saúde cresce a cada ano, comprometendo uma parte significativa do orçamento do SUS. Segundo o Ministério da Saúde, em 2019, o governo federal gastou cerca de R$ 1,6 bilhão para atender decisões judiciais envolvendo medicamentos e tratamentos.
Esse cenário impõe desafios enormes para a gestão do sistema público de saúde, que já sofre com a falta de recursos, infraestrutura deficiente e longas filas de espera para tratamentos. A realocação de verbas para cumprir ordens judiciais específicas cria distorções na execução de políticas públicas, afetando a execução de programas de prevenção e tratamento que poderiam beneficiar um número maior de pessoas de forma mais eficiente.
Diante desse contexto, torna-se imperativo repensar as estratégias de financiamento e gestão do SUS para que o direito à saúde, garantido pela Constituição Federal de 1988, seja assegurado a todos os brasileiros de forma justa e eficiente. Uma das possíveis soluções passa pela ampliação dos contratos de gestão com entidades privadas sem fins lucrativos, que têm se mostrado uma ferramenta eficaz para otimizar a prestação de serviços públicos no setor da saúde.
Os contratos de gestão permitem que o setor privado atue em conjunto com o poder público para operar unidades de saúde, hospitais, serviços de diagnóstico e tratamentos especializados. Essa modalidade contratual tem demonstrado melhorias na qualidade dos serviços prestados, trazendo inovações tecnológicas, aumentando a capacidade de atendimento e reduzindo a pressão sobre o orçamento do SUS.
É certo que a judicialização da saúde é uma consequência da ineficiência do sistema de saúde público em atender integralmente as demandas da população. No entanto, seu crescimento descontrolado impõe desafios para o SUS e coloca em risco a viabilidade financeira do sistema. Para assegurar o cumprimento do direito à saúde de forma equânime e sustentável, é urgente que o Brasil invista em novas estratégias de gestão, como os contratos de gestão, que podem oferecer uma alternativa viável para otimizar os recursos e ampliar o acesso aos serviços de saúde.
Além disso, é necessário um esforço conjunto entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para que se estabeleçam critérios claros e objetivos nas demandas judiciais relacionadas à saúde, evitando que o sistema seja sobrecarregado e garantindo que o interesse coletivo prevaleça.
Somente com planejamento estratégico e gestão eficiente será possível cumprir a promessa constitucional de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.