Liberdade, liberdade, abre as asas sobre mim”, Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

COMPARTILHE A NOTÍCIA

“… e que a voz da igualdade, sempre seja a nossa voz.” Samba-enredo — Imperatriz Leopoldinense, 1989.

“A loucura é contagiosa.”Aldous Huxley, Brave New World

Os milhões de vítimas da fome — o trágico holodomor — resultantes do plano de coletivização implantado pelo bolchevismo na Rússia não foram suficientes para moderar a violência contra o campesinato. Arrancou-se sua produção minguada, coletivizaram-se suas terras, e a autoridade bolchevique não imaginava o tamanho do desastre populacional que provocaria ao abalar a estrutura medieval do país. Não se tratava, para eles, de um “erro”. O que havia era a disposição de submeter a sociedade a medidas tão severas que, por pouco, não comprometeram o esforço de uma revolução armada em nome do proletariado e “das vítimas da fome”.

Os tempos são outros — e é fácil perceber. O Brasil enfrenta, nesta quadra desastrosa de ativismo ideológico e jurídico, uma situação confusa de juízos e decisões ambíguas, animada e armada pela mão do arbítrio. Segundo o discurso oficial, tudo é feito patrioticamente, em “defesa” da democracia. Ao contrário dos bolcheviques, que desembarcaram no poder em meio a uma prolongada guerra civil inédita nos 400 anos da dinastia dos Romanov, o radicalismo instalado no Brasil sabe bem o que quer. O que falta é aprender como operar essas mudanças essenciais.

De esquerda ou de direita, as correntes radicais são moldadas no mesmo barro preconceituoso. Representam extremos de uma cadeia autoritária que se tocam e se alimentam mutuamente. O assédio ao poder do Estado teve início — sem que percebêssemos — desde o Estado Novo e os governos militares, e se expandiu nas repúblicas “populistas” nascidas com a Constituição de 1988. Tudo isso não sem antes atravessar as inquietações, bravatas e rompantes revolucionários que expuseram a fragilidade dos sentimentos democráticos no país.

Os bolcheviques de 1917 não sabiam como tomar o governo dos czares — menos ainda o que fazer depois da conquista. Baseavam-se em conceitos frágeis e ideias emprestadas de leituras de caserna e palpites da militância. Eram ideias vagas, extraídas de doutrinas e teorias sem qualquer teste de qualidade, armadas apenas com tropas de terra e mar mal treinadas desde a guerra do Chaco no Paraguai. O resultado foram levantes, tramas, insurreições, putches, golpes mal-sucedidos — episódios que enchem nossa história política e militar de mitologias sobre feitos heroicos inacabados.

Em 1917, e nos anos da guerra civil incruenta que se espalhou pela Sibéria, entre mujiques broncos e os exércitos dos russos brancos, revelou-se a máscara do comunismo “real”: a versão burocrática das ideias de Lênin numa Rússia insurreta, proletária e “soviética”.

No Brasil, o caminho para a caixa-forte do Estado foi descoberto a tempo e explorado de forma prodigiosa. Empresários, burguesia de classe média, tropas, intelligentsia, mídia mercenária e o que chamam, com certa ironia, de “povo” foram astutamente cooptados. Trata-se de um projeto completo — o arcabouço de uma nova sociedade, um “bravo mundo novo” no sentido pintado por Aldous Huxley, com um retrato em preto e branco do que seria essa ordem social.

Emerge, assim, um novo Estado — novíssimo — de direito, que se justifica e legitima como autodefesa. Um processo “autoinstitucionalizador” que se constrói sem povo e à revelia das instituições previstas na Constituição.

Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Powershoring: o Nordeste no centro da nova revolução industrial

André Fernandes reafrima aval de Bolsonaro para aproximação com Ciro Gomes

Lula e Trump: O encontro que parecia impossível

Ciro volta ao PSDB; Tasso dá missão dupla e oposição mostra força e busca cola para justificar as diferenças

Ciro retorna ao ninho tucano: ao lado de Tasso, mas com o PSDB longe de ser o que já foi

TRF de Recife proíbe cobrança de “pedágio” na Vila de Jeri

Dois históricos antibolsonaristas, Ciro e Tasso juntos no PSDB para construir aliança com a direita

Série Protagonistas: Chagas Vieira, o interprete das ruas

Focus Poder inicia a série Protagonistas com o perfil de Chagas Vieira, o “interprete das ruas”

O “bolsa família” urbano: Lula ordena que ministro da Fazenda estude tarifa zero para o transporte público

Fortaleza desmontou um dos melhores sistemas de transporte urbano do Brasil

A articulação global da China que tem o Ceará como eixo estratégico; Por Fábio Campos

MAIS LIDAS DO DIA

🇦🇷 Tracking da AtlasIntel acerta em cheio nas eleições argentinas

Fortaleza quer responsabilizar locatário por barulho e infrações urbanas

STJ anula condenação de segurança que furtou fraldas e leite para filha

TST reafirma condenação por assédio com base em relato da vítima e omissão da empresa

Setor de alimentação fora do lar no Ceará aposta em recuperação no fim de 2025

Ceará alcança marco histórico com 101 municípios no Mapa do Turismo Brasileiro

Lula sanciona Lei Moro que endurece combate ao crime organizado

Bebê Reborn – a infância perdida; Por Walter Pinto Filho

No Focus Colloquium, a Política das conveniências: entre a força e o cálculo