Lockdown: quem paga a conta dos empreendedores? Por Frederico Cortez

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Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial. Cofundador do Instituto Cearense de Proteção de Dados- ICPD-Protec Data. Pós-graduando em Direito da Proteção e Uso de Dados pela PUC-Minas Gerais. Consultor jurídico no portal Focus.jor desde 2017. Escreve aos fins de semana. E-mail: advocacia@cortezegoncalves.adv.br / Instagram: @cortezegoncalveadvs.

Por Frederico Cortez

Os efeitos da Covid-19 nos trouxe um ambiente de total adversidade e de excepcionalidade. Tal momento que até hoje perdura, abre um flanco para o Estado agir dentro da sua discricionariedade e fora da moldura estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Assim, desde o início da pandemia testemunhamos o fechamento de milhares de empresas devido à vedação de seu funcionamento por força dos decretos estaduais e municipais.

Essa colidência de energia que se visualiza em campos opostos, entre a vontade do empreendedor em abrir seu negócio e o pulso do poder público em impor a sua inatividade temporária com o lockdown, revela um embate que agora se trava também na seara tributária. A polêmica está assentada sobre o cabimento ou não do direito de indenização/compensação aos empresários pelo poder público, em razão dos decretos de lockdown e seus efeitos na economia local.

Para compor essa análise jurídica, de bom grado lembrar que o estado de calamidade pública instalado pelos governos estadual e municipal os desobriga a cumprir o teto fiscal. Com isso, passa a ser inexigível a adoção do modelo de compra de produtos e contratação de serviços por meio de licitação pública.

Essa polêmica vai muito mais além do direito administrativo e sofre limitações constitucionais, na medida em que passa a derivar seus efeitos para a conduta do cidadão.

Na segunda-feira passada,19, o presidente da Associação Nacional dos Desembargadores (Andes), desembargador Marcelo Buhatem, afirmou num programa televiso que “há uma distorção do sistema legal brasileiro por causa da pandemia”. Em seu comentário, Buhatem tece uma crítica em relação aos decretos de estados e municípios que compara as restrições impostas no Brasil a um estado de sítio. “Apelidou-se o estado de sítio no Brasil de lockdown. Nem em estado de sítio se proíbe que as pessoas se reúnam em suas casas“, destaca o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Da mesma forma, a juíza Regina Lúcia Chuquer, da 6ª Vara de Fazenda Pública emitiu uma decisão para suspender quatro decretos da prefeitura do Rio de Janeiro que determinavam medidas restritivas. No ano passado, o desembargador Jucid Peixoto do Amaral (in memoriam) do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) suspendeu liminarmente os efeitos dos decretos publicado pelo governador do estado do Ceará que impedia o funcionamento de salões de beleza e barbearias.

Como fundamentação, o magistrado do TJCE destacou que a Constituição tem como princípio fundamental a Federação, com a união indissolúvel de seus entes federativos, União, Estados e Distrito Federal e Municípios, pelo que cabe a cada um, como pessoa pública de direito interno, as competências administrativas e legislativas, todas estratificadas no texto constitucional. “O regulamento federal incluiu entre as atividades consideradas essenciais o atendimento em salões de beleza e barbearias, com observância das determinações do Ministério da Saúde”, frisou o desembargador Jucid Peixoto do Amaral.

No direito administrativo há a figura da obrigatoriedade da administração pública em indenizar o empreendedor, que sofrer prejuízo financeiro por causa de atos de gestão do governante. Dentro da razoabilidade e proporcionalidade que o presente caso requer, essa hecatombe causada pela pandemia do novo coronavírus não foi desejada por nenhuma das partes citadas. Fato é que apenas uma das vítimas (estados e municípios) está sendo imunizada do ponto de vista fiscal, enquanto a outra ponta (empreendedores) está indo para o sacrifício imediato.

Por arrastamento, assim como a administração pública se sente liberta em gastar acima do permitido pela LRF (LC Nº 101/2000), se mostra também sensato os estados e municípios estenderem as benesses para quem empreende, gera emprego, renda e tributos. Uma sugestão que trago aqui é que os governantes locais decretem uma compensação tributária mais extensa com uma data fatal determinada ao fim do período pandêmico, reequilibrando assim a balança das obrigações fiscais para ambos durante esse tempo estabelecido.

A arrecadação tributária é o verdadeiro termômetro atual da situação econômica do ente federativo. Trazer medidas precoces e de pouco alcance em nada vai reduzir os danos já sofridos pelas empresas, seja ela de porte grande, médio ou pequeno porte. A situação é de uma gravidade sem precedentes nos últimos cem anos, e muitos empreendedores não voltarão mais as suas atividades empresariais por falta de uma condição econômica favorável e auxílio real efetivo por parte dos governos estadual e municipal.

O racionalismo cartesiano, pensamento esse estabelecido por René Descartes (1596-1650) na obra “Discurso do Método” (1637), prescreve que as conclusões particulares são enxergadas a partir de uma dedução pura com base em verdades clarividentes por si só e daí se estabelece o seu raciocínio neste mesmo alicerce. Assim, no momento que estados e municípios escapam das regras fiscais da responsabilidade fiscal, por que então aos empreendedores não devem ser concedidas essa mesma vantagem com a compensação tributária de viés indenizatório?

O momento exige um alargamento interpretativo lógico-sistemático do artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN), ao adicionar o que conceituo de “crédito-lockdown” fundamentado no histórico fiscal médio dos últimos 12 meses do contribuinte (empreendedor), antes do início da primeira fase da pandemia no País. Nesse arquétipo de longo prazo, amolda-se a compensação desses créditos tributários (“crédito-lockdown”) com as obrigações do sujeito passivo com a Fazenda Pública.

O reequilíbrio tributário para os dois lados (governos e empreendedores) somente será possível com a paridade da armas para ambos. Conferir ao estado e município as vantagens excepcionais para não cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e esquivar os benefícios fiscais de longo prazo necessários para os empreendedores significa o sepultamento de vez da economia local.

Os efeitos logo serão sentidos no bolso do governo, com a drástica redução arrecadatória tributária se não houver esse olhar de equidade para o setor empresarial. Fiquem atentos!

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