A imagem ao alto de Jesus pregado na cruz nas salas de julgamento é símbolo que atravessou os tempos. Esse símbolo, o crucifixo, incomoda reduzido grupo, lançando o argumento da natureza laica do Estado.
O cristianismo transcende a questão religiosa: são as mais profundas raizes de nossa cultura, assim fomos moldados, assim chegaram nossos mitos, assim vivemos o mistério, no plano consciente. Ou mais ainda negado no plano consciente e palpitando no plano inconsciente. “Ateu, graças a Deus”.
A Constituição, Lei Máxima do Estado, foi inspirada na Bíblia. Sem o mito da Bíblia não haveria o mito da Constituição.
O sentimento de que somos iguais, a promessa da revolução francesa que se entendeu pelo ocidente, vem de Jesus.
Jesus, o revolucionário.
“Em parte alguma se falou tão revolucionariamente, pois tudo que outrora era válido se tornou indiferente e indigno de atenção.” (Hegel)
A violência do Estado a perseguir a Religião, projeto expresso de Hitler de eliminar o cristianismo depois de eliminar os judeus; a implacável perseguição de Stálin a cristãos e judeus; o delírio de Mao dirigido aos seguidores de Confúcio; a Albânia e seu escárnio de degradar as Igrejas em mictórios públicos, são nódoas do século XX.
A natureza laica do Estado é a resposta a essas cruéis lições da História. A natureza laica do Estado tem como fundamento: a absoluta proibição de perseguir crenças religiosas.
O ser humano conta com a não perseguição do Estado para exercer sua relação com o sagrado, com o mistério da vida.
Esse fundamento da natureza laica do Estado é absoluto.
Esse princípio, entretanto, vai sendo desdobrado, entrando numa segunda fase, saindo do núcleo da proteção e descendo a outras situações da incontornável convivência do Estado com a Igreja.
Essa segunda fase desse princípio é regida pelo relativo, momento das interpretações, do quid pro quo (tomar uma coisa por outra).
Momento que se chama, no jargão jurídico, de “concordância prática de valores”, de razoabilidade, enfim, da atuação da subjetividade em face de cada caso concreto.
Em se imaginando que esse princípio da natureza laica do Estado levitasse em um tapete acima da nossa Cultura, acima da nossa História, teríamos que apagar o dia do nascimento de Cristo, dia 24 de dezembro, teríamos que apagar a Semana Santa.
Nesses dias o Governador do Ceará, Elmano de Freitas, do Partido dos Trabalhadores, determinou a distribuição de Bíblias às escolas.
Estou convicto de que o Supremo Tribunal chancelaria esse ato do Governador, caso chegasse ao ponto de ser acionado.
Lembro que o PT nasceu de braços dados com a Igreja progressista. Não era a crítica da direita? A opção aos pobres, na escolha inaugurada por Jesus, não seria vedada à Religião? E de qual maneira melhorar a vida do outro, a vida do pobre?
O ato de promover a Bíblia vem sendo ferrenhamente combatido por militantes de esquerda, atribuindo-se-lhe motivação no campo do interesse eleitoral, e chamando para o caso a incidência da separação entre Estado e Igreja: a Bíblia deve ser censurada e constar no índice dos livros nocivos.
Essa é acusação típica: a existência, sempre, de outra motivação por trás do ato. O ato em si é relegado ao secundário.
Poderia apresentar uma série de respostas a esse superficial argumento, mas vou me cingir a esse: não há nenhum ato puro nesse Mundo. Não há nada inteiramente desinteressado em nossas vidas. Assim é o humano. Assim vivemos. Assim se constrói o Mundo. Nossa finitude. Nosso paradoxo. Imaginar o contrário é achar que estamos no Paraíso, que somos anjos.
Mas o que não consigo entender mesmo é que não exista – desde sempre – nas nossas escolas o mais importante livro do mundo ocidental: a Bíblia.
A Bíblia alfabetizou o Império que hoje é a Alemanha. A Bíblia foi profusamente distribuída no formação dos EUA, em suas vilas.
A Bíblia pode ser utilizada como instrumento? Claro que sim, em inúmeras perspectivas.
A Bíblia não há de ser monopolizada por nenhum grupo. Nada de medo: cada qual exerça seu talento e sua persistência. “Acho que a madame reclama demais”. (Shakespeare). Vamos cuidar de uma agenda substancial.
Ademais, a Bíblia é livro repleto de contradições, porque traz em essência uma mensagem simbólica.
Entretanto, mais do que instrumento, a Bíblia é conteúdo de vida.
Registro também que o cristianismo é a religião que demonstrou mais adaptabilidade cultural. Tornou-se, depois de tantos erros, a religião menos cheia de regras, mais tolerante.
A mensagem nuclear de Jesus foi o amor. O amor que é nossa melhor resposta ao Outro, nossa resposta à nossa finitude. O perdão, em sua fala, deixa de ser ato exclusivamente divino e passa a ser dom também nosso, dos humanos. A fé deve nos impregnar, tal como o sal impregna-se na comida. A fé que não nos deixa paralisados ante a existência da morte.
Há mensagem mais bela do que o Sermão da Montanha? Há imagem mais bela do que a Santa Ceia? Há mensagem mais profunda do que o amor, a fé, o perdão?
Então que a Bíblia seja muito bem vinda nas nossas escolas. “Eu sou o que sou”.