O “capitalismo de vigilância” na LGPD, por Frederico Cortez

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Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados.

Por Frederico Cortez

A tecnologia é mágica, ao ponto de transformar a dificuldade em facilidade e o impossível em realizável. E como tudo na vida, vale também para o high-tech de que o seu uso servirá aos dois lados. A inteligência artificial (IA) vem avançando mais a cada segundo da vida, onde uma simples consulta na web nos dá um pequena percepção do seu infinito poderio.

Na última quinta-feira, 8, o Aeroporto Internacional de Florianópolis (SC) foi palco do início de um projeto do Ministério da Infraestrutura denominado “Embarque Seguro”. No caso, o procedimento para o embarque dos passageiros nas aeronaves será feito por meio de reconhecimento facial, mediante o uso de IA. A medida do Governo Federal é tornar mais eficiente e seguro o acesso dos passageiros nos aviões. Esse é um dos lados que mencionei acima, o positivo.

Bernardo Grossi, advogado, professor universitário da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e uma das referências em direito da proteção e uso de dados do País, chama a atenção para o conceito de “capitalismo de vigilância”. Tal denominação está afeita “ao acesso e controle dos dados pessoais e da privacidade dos cidadãos pelo Estado”. Tome aqui “dados pessoais e da privacidade” como tudo aquilo que possa identificar uma pessoa em relação aos demais, por tanto: biometria; imagem facial; altura; peso; cor da pelo, dos olhos; informações administrativas, fiscais e/ou judiciais; RG; CPF; endereço; CNH, título de eleitor. Enfim, é tudo que diz respeito ao cidadão individualizado. A preocupação do especialista é para ser levada em consideração e atenção.

A advogada Ana Frazão, professora universitária da UNB e doutrinadora, autora da obra “Lei Geral de Proteção de Dados – e Suas Repercussões no Direito”, outra referência no tema “proteção e uso dos dados pessoais e da privacidade”, que resume de uma forma muito inteligente a força do “capitalismo de vigilância” ao destacar que a “propriedade sobre os dados pessoais, ressalta em mais poder econômico, político e social”.

A temática inteligência artificial e proteção dos dados pessoais já despertou a preocupação na Câmara dos Deputados. Atualmente, tramita o Projeto de Lei 21/2020 que estabelece princípios, direitos e deveres para o uso de inteligência artificial (IA) no Brasil. De autoria do deputado federal Eduardo Bisrmarck (PDT-CE), logo no início, mais precisamente no art. 2º, o projeto considera inteligência artificial como “o sistema baseado em processo computacional que pode, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo homem, fazer previsões e recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais”. Para muitos, isso é uma regulamentação, mas aumentando-se a lente, é claro e inconteste o latente risco sobre a força do uso da IA sem o mínimo de segurança jurídica, como é a proposta do deputado federal Eduardo Bismarck. O que já certifico como mais do que oportuna.

No tocante à proteção e uso dos dados pessoais, o PL 21/2020 aponta em seu artigo 4º, V, que o uso da inteligência artificial no Brasil terá “a privacidade e a proteção de dados” como um de seus fundamentos. Este ponto é essencial, pois eleva o consentimento do titular dos dados como delimitador para o uso ou não de suas informações. Infere apontar que, não basta tão somente consentir o uso das informações pessoais e da privacidade para um determinado momento (tomemos por exemplo caso do embarque de passageiros por identificação facial). E sim, para qual repositório irá aqueles mesmos dados e se será usado ou não em outra base de informação, tudo isso à revelia do seu titular, que é o cidadão.

A Lei Geral de Proteção de Dados- LGPD (Lei 137.709/18), em seu art. 4º, inciso III, excetua a sua aplicação quando o tratamento dos dados pessoais é realizado para fins exclusivo de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infrações penais. O §4º da mesma coluna legal, impõe que a totalidade do banco de dados versada no art. 4º, III da Lei 13.709/18 somente poderá ser tratado por órgão público ou empresa que possua capital integralmente constituído pelo poder público.

A temática proteção de dados merece um amplo e constante debate, com a participação da academia, sociedade civil e poder público. Fato é que não podemos nivelar por baixo o uso da inteligência artificial, mais sim dotar a sua aplicação de um modo menos sujeito à interferência de terceiros para a sua má utilização. Dizer categoricamente que não haverá vazamento de dados, ou distorções na aplicação da IA é uma inverdade. O momento é de definir elementos balizadores e estruturais para o uso correto da inteligência artificial (IA), pois a sua aplicação para o bem comum é bem superior aos desvios. Estes não podendo ser ignorados por menor que seja, por óbvio!

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