Por Frederico Cortez
A pedra angular do Estado Democrático de Direito é o garantismo do exercício do contraditório e da ampla defesa, seja em processo administrativo ou judicial. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5ª, LV, enaltece esse pilar de uma forma clara, inconteste e inelutável, onde a regra é que todos têm direito a apresentar sua defesa em qualquer acusação que for. Essa proteção é de tal magnitude que ao derivar para a seara criminal, cabe à parte acusadora o ônus da apresentação de todas as provas da suposta ilicitude imputada à parte acusada.
Nas últimas semanas, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 vem desconstruindo tudo o que é lecionado nos bancos das faculdades de direito do País, no que diz respeito ao contraditório e a ampla defesa. É claro que a CPI tem seu espaço reservado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 58, §3º, ao detalhar que “as comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”.
De bom grado lembrar que mesmo em oitivas perante o Poder Judiciário, ao réu ou acusado é respeitado o seu exercício amplo e irrestrito de defesa.
Dentro do escopo entalhado pela CPI da Covid-19, vislumbro uma série de condutas por alguns membros que passa ao largo do que preceitua nossa CF/88. Muitas das inquirições feitas por alguns dos 11 titulares que compõem a CPI beiram à época da inquisição medieval, com apontamentos, insinuações, acusações e até mesmo mostram um desrespeito com profissionais da medicina que ali prestaram seu depoimento perante os senadores da CPI da Covid-19.
O viés político na CPI da Covid-19 salta facilmente aos olhos de todos, quando algumas perguntas fogem ao escopo deste importante instituto de defesa da minoria parlamentar que é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Isso é visível quando se nota a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de suas liminares em favor dos depoentes, justamente para não produzir prova contra si ou macular algum dos direitos constitucionais subjetivos.
Essa CPI da Covid-19 está tão fora dos trilhos no que pese à condução de seus trabalhos, que a própria Corte constitucional já bate cabeça com decisões conflitantes entre os próprios ministros do STF sobre o direito ao silêncio no testemunho dos convocados pela dita CPI. Nesse ritmo de agressão velada ao contraditório e a ampla defesa dos depoentes, emoldurado com um viés político totalmente parcial do setor oposicionista em relação ao Governo Federal, o relatório da CPI da Covid-19 a ser apresentado certamente conterá vícios constitucionais passíveis de questionamentos junto ao Poder Judiciário.
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 é um ótimo momento para apurar todas as suspeitas e irregularidades por parte do Governo Federal e governos estaduais no trato do uso do erário no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. No entanto, estão jogando para o escanteio uma excelente oportunidade de investigar toda e qualquer conduta omissa por parte de gestores públicos em relação ao desvio de verba pública na compra de equipamentos e construção de hospitais de campanha, atraso nas compras das vacinas, prescrição de tratamento precoce e também quanto à suposta corrupção em processo de aquisição de imunizantes. O recorte desta CPI tão somente ao Governo Federal não traz a imparcialidade devida e necessária, afastando assim supostos casos de corrupção por parte de alguns governos estaduais.
Recado bastante claro sobre a real intenção da CPI da Covid-19 foi a recente declaração do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) na última quarta-feira,30, dizendo que não dará sequência ao pedido de impeachment apresentado por partidos de oposição e movimentos sociais, e que ao fim fez o seguinte arremate irônico: “Vou esperar a CPI, está fazendo um belíssimo trabalho, bem imparcial”.
Por uma política hedonista e de interesse partidário visando as eleições presidenciais de 2022, essa CPI da Covid-19 está em trânsito para a famosa construção do poeta romano Quintus Horatius Flaccus -Horácio (65 a.c – 8 a.c): parturient montes, nascetur ridiculus mus (os montes parirão, e nascerá um ridículo rato). Ou alguém duvida?